Lázaro, Marta, Maria e Eu.


Minha memória me informa que a primeira coisa que quis ser quando crescesse era ator, ou quem sabe dramaturgo, produtor de novela, ou algo do gênero, não é toa que todas as brincadeiras da minha infância eram fazer da minha vida uma novela, até meus 15 anos foi assim, e até hoje ainda me pego brincando um pouco. Mas não me tornei nenhuma destas coisas, o máximo que cheguei a fazer foi uma apresentação de uma peça no teatro da escola por volta dos meus 12 anos.

Quando comecei a pregar aos 15 anos, meus desejos foram em outra direção. Desejei servir aquele Deus que amava, do jeito que achava que podia, com minha voz, meu pastoreio, minha liderança. Associaram-se a isso muitas falas ditas proféticas que me falavam de como seria minha missão. Vida agitada, mas cheia frutos. Em razão disso me dediquei ao máximo a este sonho-vocação.

Lembro-me que em razão disso minha única oração era que tivesse uma vida que o agradasse e que servisse a Ele. Não que não tivesse outras necessidades, mas para mim só uma coisa importava. Assim, tornei-me pastor aos 18 anos. Como não queria depender financeiramente das igrejas, trabalhava em outras coisas, mas todas sem sucesso, pois a nenhuma me dedicava como me dedicava ao serviço. Abandonei faculdades, pelos menos umas três, e me especializei em estudos teológicos, o que no fim pouco me serviu financeiramente já que me tornei pessoa não desejada nesses meios em razão de minhas colocações.

Bom, restava-me seguir ‘carreira’ na fé. Porém, na minha igreja de infância e nas demais, pelas mesmas razões dos centros teológicos, minha permanência era afetada. E quando não era isso, algo que não sei explicar me invadia e não me deixava ter sucesso. Abri uma igreja e quando tudo parecia que ia dar certo desisti. Não queria ser líder de uma denominação religiosa, eu só queria servir a Ele como sempre desejei, no trato com as pessoas e no anúncio do Evangelho.

Vindo desta forma cheguei a lugar algum. Então retomei minha vida de professor, enveredei pelo caminho da filosofia e da psicanálise. Como psicanalista nunca cobrei coisa alguma, e hoje nem sei como se faz isso, perdi o veio profissional, era apenas um pastor aconselhando seu rebanho. Como professor parecia que ia dar certo, então fui acometido por uma doença que me impossibilitou de continuar e hoje tento, mas ainda nada. A doença continua aqui, seus sinais se mostram e poucos desejam investir em algo assim.

E o que essa história tem haver com Lázaro, Marta e Maria. Bom, hoje acordei cedo, estou em casa, silêncio por toda parte. E o que tenho realmente pra fazer? Vou preparar a comida da minha filha mais velha, depois levá-la para o colégio. Enquanto corto cebolas, preparo o frango e faço o arroz, lembro-me de tudo que disse acima. E aí me veio àquela sensação de que não pude seguir com os apóstolos, não me foi destinado à missão dos 70. Restou-me a casa, os afazeres domésticos e o silêncio das donas de casas. Senti-me Marta! Mas diferente dela não faço nada disso reclamando da minha sorte. Não deixei que tais serviços me tirassem a possibilidade de ouvir os pássaros que cantam por aqui, o vento que balança a copa das árvores e o sol que ilumina o dia. Paro tudo, e me pego em profundo estado de contemplação, e percebo que não faço parte daqueles que fazem investimentos no Reino e trabalham por ele, não tenho nada a oferecer, restou-me apenas a minha verdade. Não há templos, ministérios, ouvintes. Apenas o meu louvor, minhas lágrimas, e uma adoração profundamente silenciosa, e o tudo que tenho derramo sobre Ele, na esperança de que aceite essa minha oferta de quem já não pode fazer mais nada. Sinto-me Maria!

Sei que alguma coisa em mim morreu. Talvez eu mesmo, com todos os meus velhos sonhos! Tiraram-me todas as possibilidades! Colocara-me num túmulo! E aqui nesse lugar escuro escuto apenas uma voz que me chama para a Vida, mas não é a mesma vida, não é para ocupar antigos lugares, trilhar antigas rotas. É outra vida! Outra vida! Sem registros! É também vida silenciosa!

Eu, Marta, Maria e Lázaro, discípulos do silêncio! Ás vezes ainda choro muito, como se algo tivesse dado muito errado e não sei bem de quem é a culpa. Mas volto para os afazeres domésticos, para a contemplação e para a vida sem registro e me sinto em paz.

Ivo Fernandes

14 de fevereiro de 14

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