Religião, espiritualidade e transtornos
São muitos anos de escuta
clínica-pastoral e um dado arrasador é que na maioria das pessoas os diversos
distúrbios emocionais e mentais têm relação direto com a religião. Sigmund Freud
acreditava que a religião causava sintomas neuróticos e, possivelmente, até mesmo
sintomas psicóticos. Em Futuro de uma Ilusão, Freud (1962)
escreveu: “Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade...”,
e baseado em minha experiência posso afirmar que em muitos casos é exatamente
assim que ocorre.
Freud pensava que
as crenças religiosas tinham suas raízes em fantasia e ilusão e poderiam ser
responsáveis pelo desenvolvimento de psicoses (embora nunca tenha atribuído
diretamente a causa da psicose à religião, apenas à neurose). Esta visão
negativa de religião no campo da saúde mental permaneceu até os tempos modernos.
Porém, esta perspectiva negativa relativa à religião não se baseava em
pesquisas sistemáticas nem em cuidadosas observações objetivas. Hoje fica claro
que a religião também tem outro lado, e inversamente também gera benefícios
sociais e psicológicos. Com isso podemos dizer que existe uma religião maléfica
– produtora de distúrbios e uma saudável, que chamarei aqui de espiritualidade.
Há evidências
mostrando que as pessoas se tornam mais religiosas quando estão doentes, tanto
física como mentalmente. Em situações de alto estresse psicológico, a religião
é frequentemente buscada para auxiliar a lidar com as situações de sofrimento. O
problema aqui é que no meio desse processo revela-se a manifestação dos
delírios religiosos. Mas como separar o que é um delírio religioso e uma
experiência legítima de espiritualidade? Em pacientes psicóticos, delírios
religiosos são habitualmente acompanhados por outros sintomas e/ou
comportamentos de doença mental, e não parecem ter nenhuma função positiva,
enquanto as experiências legítimas de espiritualidade são extremamente
benéficas no melhoramento do homem.
A prática
religiosa adoecida é marcada por uma repetição constante e obsessiva, atrelada
a crenças nitidamente danosas ao ser e envolvidas em religião de controle, e
não importa o quão óbvio é a falsidade do processo, esse tipo de religião é
marcada por um dogmatismo completamente desprovido de espírito crítico.
Uma das formas que
tenho usado para avaliar e distinguir experiências psicóticas de experiência
religiosa normal é o nível de prejuízo da capacidade de a pessoa desempenhar
suas atividades diárias. Se o desempenho social ou ocupacional for prejudicado,
então a chance da crença ou experiência religiosa ser patológica é imensa. Pessoas
com espiritualidade sadia ao contrário apresenta frequentemente com o passar do
tempo um resultado positivo, como maior maturidade e crescimento psicológico ou
espiritual.
O fato mais claro
é que a religião em geral faz mal aos doentes emocionais e mentais, porém a
espiritualidade é um mecanismo terapêutico poderoso no processo de cura. A
religião tanto gera, como mascara, e intensifica doenças, já a espiritualidade
as revela e as ajuda no processo de cura.
Religião (aqui do
modo exposto) é um conjunto de crenças e práticas firmadas em dogmas que não
admitem contraditórios, e que se fundamentam na autoridade da instituição e de
seus representantes, enquanto Espiritualidade
é um modo de vida de fé que qualifica todas as percepções, interpretações,
atitudes, e decisões de uma pessoa.
Jesus
possuía uma religião exclusivamente do ponto de vista sociológico, e não no
sentido aqui exposto, pois seguindo o raciocínio desse texto o que ele possuía
era uma espiritualidade. (Mais informações sobre a religião do ponto de vista
sociológico ver: O que é religião? )
E a
espiritualidade de Jesus não era desprovidas de disciplinas espirituais como
alguns hoje parecem querer viverem as suas. Jesus orava, jejuava, cantava
louvores, fazia reuniões de oração e pregava, intercedia por doentes e
oprimidos além de acolher pessoas, andar com elas.
Dessa forma
afirmo a importância da espiritualidade nos processos de cura e apoio todo
afastamento da má religião. Eu mesmo sou discípulo da espiritualidade de Jesus
e enquanto mentor de um grupo que se reúne em torno da fé continuo promovendo cultos,
reuniões, ceia, batismos, sustento de pessoas, e anuncio a Palavra; e faço tudo
isso sem ser um movimento da religião conforme aqui descrito, mas sim da
espiritualidade e essa segundo Jesus.
Ivo Fernandes
18 de setembro de 16
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