A questão da técnica em Heidegger



Questionamos a técnica e pretendemos com isso preparar uma livre relação para com ela. A relação é livre se abrir nossa existência <Dasein> à essência da técnica. Caso correspondamos à essência, estaremos aptos a experimentar o técnico <das Technische> em sua delimitação. (Heiddeger - A conferência A questão da técnica (Die Frage nach der Technik) foi proferida no dia 18 de novembro de 1953 no Auditorium Maximum da Escola Superior Técnica de Munique)

Para entendermos essa abertura à essência da técnica é preciso voltarmos a questão do Dasein.

O que é o Dasein? Ele é o ser-aí, o eis-aí-ser. O termo “Dasein” serviu para designar a manifestação do ser enquanto ente. O Dasein se compreende a si mesmo enquanto ser que existe. O Dasein é um “poder-ser” sempre, a existência do Dasein nunca é algo já feito. O Dasein permanece sempre em construção, pois é projeto para o seu futuro. Ele é um ser que busca planejar, pois sabe que não está pronto. Está sempre inacabado e diante de inúmeras possibilidades. Um ser para a relação.

Assim o Dasein se aberto a essência da técnica pode experimentar a técnica. E aqui percebemos uma diferença entre a técnica e a essência da técnica. E Heidegger crítica a técnica para chegar a essência da mesma.

A crítica que Heidegger faz é da técnica enquanto a mecanização do ser humano. Técnica vem do grego techne – e podemos resumir seus diversos significados como aquilo que é feito pelo homem. No entanto o que observamos na contemporaneidade é que tudo que faz parte do mundo está subordinado a técnica, inclusive o homem. O homem manipula a técnica e é manipulado por ela, e aqui é que Heidegger faz a sua crítica, tentando chegar a essência da técnica e assim fazer uso da mesma sem deixar que ela nos domine.

Podemos perceber que vivemos um tempo da desconstrução do ser pelo poder tecnicista. O homem produziu a tecnologia, e a evolução da tecnologia está destruindo o ser, o entizando.

Lembrando o que é ente – tudo que está no mundo. O homem é um ente, mas por ser Dasein é um ente potencializado. Ele não está apenas no mundo mas também está sendo no mundo. Ou seja o homem não é apenas um ente, como uma caneta é, mas o homem é um potencialidade do ser. Porém o que vemos é que a tecnologia está entizando o homem, o que poderíamos chamar de mecanização do homem.

Exemplo: O domínio dos celulares e das redes sociais conduzindo os homens apenas a registrar momentos e não mais experimentá-los. O homem assim está apenas existindo, está apenas como ente, apenas presente, mas sem estabelecer real relação. O homem deixa a cada dia de ser, e mecaniza-se em performances para fotos.

A saída disso, começa com a diferenciação entre a técnica da essência da técnica. A técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica. A essência de algo vale, segundo antiga doutrina, pelo que algo é. E ao questionarmos a técnica chegaremos a essência e assim ter um agir livre em relação a ela.

A técnica é essencialmente uma modificação do fazer ou do agir humano. Desde o que o homem faz como os modos de ser advindos deste fazer.

Pensando o tempo contemporâneo, a tecnologia, aquilo que o homem faz modificou o modo de ser do homem transformando-o num ser mecanizado, sem reflexão. Um tempo onde tudo está pronto, e o homem está sem liberdade presos a técnica.

Em outras palavras a técnica moderna levou o homem ao esquecimento de si, ou a de perguntar-se sobre o ser, considerando tais questões sem valor, uma vez que agora tudo está quantificado e coisificado. Não há mais mistérios!

O fabuloso na obra de Heidegger é ver como ele identificou essa questão com a história da metafísica. Concluindo que a história da metafísica é a história da tecnificação do mundo.

Para Heidegger, a técnica representa o ponto final na história do esquecimento do ser, iniciado com a metafísica fundada pelos gregos, pois essa reduziu a pergunta pelo sentido do ser ao homem enquanto ente.

De maneira gradativa do mundo das ideias de Platão à vontade de potência Nietzsche ao domínio da técnica, o ente se estabelece sobre o ser.

No resgate da essência da técnica Heidegger aponta para como os gregos antigos pensavam a técnica. Não apenas como habilidade para fazer algo que remete ao domínio do homem. A essência da técnica não está naturalmente implicada ao controle e domínio do homem, tampouco como sua contraparte em domínio do homem para com a natureza.

Se resgatarmos essa essência poderemos ter novas formas de relação com mundo e nos libertar da condição da perda si dos tempos atuais.  Esta reflexão heideggeriana não implica a supressão do mundo da tecnologia, o que não passaria de um absurdo, mas nos chama a atenção para a possibilidade de uma relação mais livre para com ela.

É necessário que o homem não rejeite ou se abstenha de sua condição mais própria que é o fato de ser um ser pensante. Trata-se de manter acordado o pensamento. Em vez de vivermos absorvidos pela técnica, devemos ler o mundo, habitar num mundo lendo a outra dimensão de sentido que esta dimensão que transcende as coisas simplesmente presentes tem.

Para Heidegger, não se pode negar que pensar a técnica como instrumento é correto, mas com isso não se esgota a sua verdade (HEIDEGGER, 2001, p. 12)
Então, vale a reflexão: 

Podemos pensar numa libertação deste universo da técnica sem abrir mão dos benefícios da tecnologia? Como?

Ivo Fernandes
23 de novembro de 2018

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