A mulher e o mendigo, e a pobreza de nossas almas

Desde o primeiro momento em que vi o vídeo que circulou na internet, naquele instante apenas sobre uma possível traição conjugal, quis falar sobre o assunto, por diversas razões e questões que essa história desperta. Quando vi, eu estava na academia, e um programa desses de fofoca noticiava o acontecimento. Como não seria diferente, cheio de sensacionalismo, com foco na traição e no ato de um marido “que levou cifre” estar indignado. 

A primeira coisa que me veio à mente foi a questão da exposição pública, que hoje, com a força das redes sociais e da internet, faz com que todos sejamos todos vítimas e algozes desse processo cruel. Depois a história com um tom de humor, afinal brasileiro “não perde a piada”, e “é pra isso que a gente paga a internet”. E, por alguns momentos, eu também ri da situação. O nosso humor esconde muita coisa sobre nós. 

A segunda questão que me tomou, e quase sempre me toma, é perceber a hipocrisia dos comentadores de plantão. Como é danoso para minha alma ver nas publicações a qualidade ética de uma boa parte dos brasileiros. A partir daquele momento, não importa mais nada, não importa o sentir da mulher, sua real condição, seus motivos, nem do mendigo, nem do marido. Já tínhamos elegido uma narrativa e dela não abrimos mão, mesmo ao custo da vida alheia. 

Ninguém quis dar crédito à voz do marido, aliás, ridicularizaram-no, o “tipo corno manso”. Como um marido aceita o acontecimento? Como ele não vê que sua mulher com que ele convivia era na verdade uma “tarada”? O homem que defende sua mulher mesmo numa situação confusa em vez de ser visto como um bom homem é visto como otário, e o mendigo, que até então era apenas o mendigo com quem a mulher transou vira um herói nacional, mais um, no panteão dos heróis brasileiros de um tempo decadente de nossa nação. 

Pensei, então, em falar a partir de uma análise psicanalítica, afinal, o cenário permitia várias análises. Quantos elementos! Religião, sexo, diferença social, fetiches, casamento, moral, exposição pública. Mas recuei porque não queria ser mais um a ter necessariamente que emitir uma opinião. Pensei nos aspectos sociológicos, nos arquétipos presentes no ato. Os dias passaram, agora tínhamos mais materiais, de um lado a entrevista do marido, do outro a do mendigo. E o resultado disso é bem óbvio diante de tudo que já disse. E a mulher? A mulher está em silêncio, com diagnóstico psiquiátrico de surto psicótico, e está internada desde o acontecimento, mas isso importa?!

Nada importa para almas pobres, carentes de decência e bom senso! O que realmente aconteceu ali talvez fique pra sempre escondido, inclusive dos próprios envolvidos, afinal, ainda reina em nossos atos as forças inconscientes. Porém, sabemos que nossa condição ética precisa ser salva da miséria em que ela está submetida. Precisamos urgente de almas nobres, que se elevem diante da mediocridade. Precisamos de brasileiros que dignifiquem nossa nação, pois só gente decente, que primeiramente vence a própria hipocrisia, e que tem noção mínima de civilidade, que respeita intimidades, que não julga precipitadamente, e que acima de tudo reverencia uma alma humana, podem mudar esse cenário terrível de valores baixos. 

Talvez, todos nós erramos e temos errado bastante. É preciso ouvir realmente as pessoas respeitando sua privacidade, não antecipando narrativas, não comercializando almas e dores para conseguirmos likes, seguidores, audiência. Espero que a mulher se recupere de seu estado mental para viver aquilo que ela decidir viver sem intervenção ou juízo de ninguém. Espero que o marido se recupere e que se efetivamente amar e respeitar sua esposa construam algo belo juntos. Espero que o mendigo entenda que ele não é um herói, mas apenas um outro sendo usado por quem deseja holofote, que ele não se torne mais um e esqueça de sua real condição, a que realmente deveria ser combatida. Espero que as pessoas se toquem, se percebam, se enxerguem e aprendam a “perder a piada” antes que percam suas almas, pois parafraseando o mestre de Nazaré do que adianta ganharmos todos os likes do mundo inteiro e perdemos nossa alma?

Eu ainda insisto em outro mundo!


Ivo Fernandes

28 de março de 2022

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