A dúvida e a fé
Vivemos num
tempo onde a dúvida foi entronizada. Ela já não é caminho para a verdade como
na modernidade, ela é o destino. Nenhuma verdade deve ser aceita, afinal não
existem verdades, tudo é apenas interpretação.
Conhecer é pôr-se em relação a
alguma coisa, e um conhecimento absoluto é não somente um ideal inatingível na
prática como uma contradição em termos. E a radicalidade desse pensamento não
reside em afirmar que o conhecimento varia segundo o ponto de vista, e sim em
negar a existência de um ponto de vista transcendente que poderia reunir os demais
em uma síntese ou totalização, e que seria a única condição pela qual
poderíamos conceber uma “coisa em si” para além das perspectivas. Dito de outro
modo, o que está em questão não é a possibilidade de conhecermos a verdade, mas
a existência mesma da verdade, isto é, de um estado de coisas constituído do
qual o conhecimento seria a representação mais ou menos exata.
Assim o caminho proposto é
semelhante ao do eremita de Nietzsche: “[Um eremita] duvidará inclusive de
que um filósofo possa ter opiniões “verdadeiras e últimas”, e que nele não
haja, não tenha de haver, uma caverna mais profunda ainda por trás de cada
caverna — um mundo mais amplo, mais rico, mais estranho além da superfície, um
abismo atrás de cada chão, cada razão, por baixo de toda “fundamentação”. (Além
do bem e do mal, § 289.)
Do outro
lado está o sujeito religioso a assegurar a sua convicção inabalável, a sua
certeza absoluta e o seu acesso perfeito à verdade divina. Admitir a remota
possibilidade de não estar alinhado à verdade absoluta, constitui-se em uma
fraqueza inadmissível para uma boa parte de religiosos.
Entre esses dois grupos estão os cristãos e teólogos pós-modernos, tentando
fazer uma teologia que abra mão dos absolutos metafísicos. Uma
teologia que rejeita o Deus Absoluto da tradição cristã e o Totalmente Outro da
neo-otodoxia, forjando um Deus que permaneça vivo ainda que morto, um Deus que
permaneça presente ainda que ausente, um Deus que não atrapalhe a entronização
da dúvida.
E o que Jesus disse sobre essas coisas? Uma leitura das fontes que nos
apresentam seus ensinos nos mostra que ele jamais teceu elogios à dúvida. Todas
as vezes que a citou foi contrapondo a fé. Jesus não se dedica a questões que
envolvem compreender Deus, ele não tem um Deus para compreender, mas para
obedecer.
Isso então quer dizer que não há espaços para a dúvida na fé cristã? Eu
responderia que não há espaço para a dúvida na Fé Jesuológica que é um ato de paixão, um ímpeto na direção do
Impossível, e não um saber, um sentir ou um querer.
Concordando com Soren Kierkegaard que diz em Temor e tremor: “A fé é um assombro e, contudo, nenhum ser
humano é excluído dela; pois a paixão reúne a vida humana e a fé é essa paixão”.
A fé, portanto, não é algo que se possa dar, receber e muito menos entender,
mas é a chave que apaixonadamente nos ajuda a tomar decisões.
A dúvida não está para a fé, mas para a crença, pois esta tem haver com
o saber, e mesmo nas crenças fundamentalistas onde a dúvida é negada
epistemologicamente, na verdade com isso ela é afirmada. É uma relação
dialética, crença versus dúvida.
Desta forma posso afirmar que a dúvida está em mim e a fé também e só
não são excludentes porque são de ordens completamente diferentes. Assim aquele
que tem fé, duvida, mas jamais do objeto de sua fé, mas de toda e qualquer construção
do saber.
Eu
posso dizer então que duvido, mas isso não me gera uma crise de fé. Posso mudar
minhas crenças movido por dúvidas, mas jamais minha fé, pois a semelhança de
um personagem de Dostoiévski: “[...] se lhe provassem matematicamente que
a verdade estava fora de Cristo, você aceitaria melhor fi car com Cristo do que
com a verdade?”.Toda sua vida ele guardou um sentimento exclusivo, um amor
exaltado por sua face divina [...] se alguém me demonstrasse que Cristo está
fora da verdade e se realmente
a
verdade estivesse fora de Cristo, melhor para mim seria querer ficar com Cristo
do que com a verdade” (DOSTOIEVSKI, F. M. Os demônios. p. 249, 250)
Ivo Fernandes
9 de outubro de 2011
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