Meu cajueiro


Durante um ano eu que vivi num bairro situado perto de uma reserva ecológica foi um cajueiro que serviu como local de adoração e reflexão em vez do meu velho templo – o mar. Foi um ano diferente, o ano depois da morte, e junto com o cajueiro foi retomando o sabor da existência. Tudo nele e ao seu redor me foi sagrado, de sua imensa copa verde, do vento que ao mexer suas folhas produzia o som dos céus, que me trouxe uma nova linguagem do divino, no lugar do som das muitas águas que me sempre me foi a Voz sagrada.

Renasci com um cajueiro, mas sou feito de maresia, e o tempo do cajueiro não poderia se eternizar, precisava voltar para as praias iniciais da minha vida. O tempo de retorno chegou. Assim o tempo do cajueiro que trouxe para minha vida novamente o verde e vento chegou ao fim.

A casa que estava em frente ao cajueiro era grande, como sempre gostei, me permitiu muitas coisas, como receber amigos e realizar festas e trabalhar, tudo era feito nela, a ponto de não haver diferenças entre os muitos de mim, o que me foi prejudicial, pois Ivo, Antônio, Álvaro, Bernardo e tantos outros não podem serem vistos como os mesmos pois os mataria essencialmente. Desta forma na salvação de todos a casa perdeu sua vida.

Antes de se determinar o fim oficial, ela foi invadida, saqueada, e aquilo que já era claro reforçou-se. E aí tomei a decisão de ir para o futuro sem tantas bagagens do passado, e a casa com tudo dentro foi deixada pra trás. Até hoje, estive num limbo, meu carro, estava sendo minha casa. Não houve nenhum arrependimento, nenhum sentimento negativo a respeito de nada. O que foi, foi, e teve seu papel formador. E meu principal presente sem dúvida o meu cajueiro.

Pois bem, fui me despedir e outros que não tiveram a mesma relação sagrada que eu com o cajueiro, o cortaram  para possuírem mais luminosidade pública, visão da rua e segurança. O cajueiro foi embora junto comigo com sua grandiosidade e beleza para dar lugar ao moderno sem natureza e mistério.

Aí tudo se completou, jamais poderia viver onde o mistério é retirado, onde a natureza é substituída por tecnologia, a poesia por concreto.

Adeus meu cajueiro, estou voltando para o futuro!

Ivo Fernandes

11 de junho de 2014

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