Da origem e natureza dos afetos


Afeto é o que faz o corpo agir, e a mente possuir ideia dessa ação. Assim, são inúmeros afetos, pois o corpo age sob a força de inúmeras afecções. Quando a mente tem a ideia adequada do afeto ela age, quando não ela padece. E por ideia adequada me refiro a ideia racional.

De uma ideia surge um efeito. Por isso ideias adequadas geram efeitos de vida, e inadequadas geram padecimento do ser. A relação entre corpo e mente é delicada, para não dizer misteriosa. Quanto um padece em relação ao outro, não podemos definir com clareza. Mas sabemos que a maioria dos enganos e das doenças são provenientes dessa relação.

A mente tende a conservar o que tem duração indefinida, sejam ideias adequadas ou inadequadas. Assim alegria, tristeza, excitação e melancolia estão associados a relação corpo x mente. Só há alegria quando podemos avançar em perfeição nos afetos e melancolia quando diminuímos a potência do corpo. Logo qualquer coisa pode ser causa de alegria ou tristeza.

E os afetos se relacionam, pois, pensemos no que traz alegria e o que a ele tiver relacionado será amado. O contrário é verdade, o que nos traz tristeza, suas associações serão odiadas. E entre esses dois afetos podem ocorrer flutuações de ânimo. Podendo um mesmo objeto ser causa de amor e ódio, sendo que tal objeto só precisa ser imaginado para despertar o afeto, ou seja o afeto não depende da presença da coisa. Assim na imaginação da presença da coisa amada haverá alegria, na destruição da odiada também. Dessa relação entre o afeto da tristeza e da alegria com a imaginação surge a inveja, soberba, etc.

Daqui se segue que cada um se esforça, tanto quanto pode, para que todos amem o que ele próprio ama e odeiem o que ele próprio odeia, o que podemos chamar de ambição. O fruto desse esforço é caos. O ciúme é outro fruto dessa flutuação de ânimo. Concluído que esses sentimentos são frutos de juízos feitos de ideias inadequadas. Pois por desconhecermos as causas do afeto do corpo, imaginamos relacionado com outros objetos, produzindo os afetos que nos fazem padecer.

Por exemplo. Se odeio a Pedro e a ideia desse ódio é inadequada, produzindo tristeza. Se eu suprimo a causa desse sentir, passando a possuir uma ideia adequada do afeto, o sentimento será diminuído ou suprimido.  

Como o corpo pode ser afetado de muitas maneiras, corpos diferentes podem ser afetados de muitas maneiras diferentes. Podendo um só objeto gerar afetos diferentes em corpos diferentes. Assim um pode amar o que outro odeia. E como cada um julga de acordo com seu afeto, assim nasce toda diferença ideológica, religiosa, entre outras entre os homens.

O homem então, se conhece a si próprio pelas afecções de seu corpo e pelas ideias dessas afecções. O que podemos concluir que o homem é um ser desejante. E o desejo é todo esforço, impulso, apetite, volição que conduz o homem. Quando o homem é conduzido para a perfeição está alegre, quando essa alegria acompanha a ideia de uma causa exterior ele ama, e quando o amor é acompanhado de admiração, então adoramos. Quando o homem é conduzido para a decadência está triste, e quando essa melancolia acompanha a ideia de uma causa exterior ele odeia, sente ciúme, entre outros. Porém quando temos ideias adequadas das causas do que move o corpo e vencemos a imaginação somos conduzidos ao amor puro, que em seu estado perfeito só é possível pela fé.

Ivo Fernandes
11 de abril de 2015
(Sob a inspiração de Spinoza)




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