Infidelidade sexual



O tema infidelidade sexual está sempre presente nas mesas de café, nos bares e, especialmente, nas clínicas psicanalíticas. É tema em novelas, filmes, séries, na literatura, na música. Mas, apesar disso, o que percebo é que o assunto não é tratado pelas pessoas, em geral, da maneira honesta com a qual deveria ser tratado. E por quê?

A resposta tem a ver com a carga moral de que nossa cultura ainda é impregnada. Fomos treinados a enxergar vários comportamentos sexuais como algo maligno. Até hoje vários grupos religiosos ensinam aos seus jovens a adotar a castidade e, ainda, põem o sexo em um lugar obscuro. Muitas pessoas são contra a educação sexual nas escolas, enfim, quando o assunto - a infidelidade sexual - se manifesta de forma prática, o que ocorre como consequência é a mentira.

Dessa forma, quando o assunto é infidelidade sexual, precisamos entender que a abordagem do tema dependerá de vários fatores, além dos citados acima. As culturas lidam de maneiras diferentes com o que chamados de casamento, de sexo, de relacionamento entre pares. Então, para falarmos do tema, é preciso antes situarmos os agentes, em que cultura estão, que ideologias os movem, quais as condições econômicas dos envolvidos, entre outros fatores. Assim, só é possível falarmos de traição ou de infidelidade dentro de um campo conceitual próprio.

Em geral, ainda se admite o seguinte modelo: duas pessoas que se relacionam, a menos que tenham estabelecido um relacionamento aberto, devem fidelidade sexual ao parceiro, que significa na prática exclusividade sexual. Mas aí entram os números, é crescente a quantidade de pessoas, homens e mulheres que não mantêm essa fidelidade. Por quê?

As verdades por trás das traições são mais complexas do que podem parecer. Qualquer julgamento de um caso, sem um olhar mais amplo, sem dúvida, será precipitado, e ignorar isso é simplificar o comportamento humano a uma mera questão de querer e não querer, no entanto o que todas as evidências clínicas mostram é que isso é uma falácia.

O que encontramos? Uma rede complexa de motivações que vão desde carências afetivas até dependência sexual. Porém existem questões que nunca entram na discussão, mas que são importantes. Por exemplo, certos perfis psicológicos são mais propensos a essa atitude, e eu sei que isso é polêmico. Além do mais, todos já devem ter ouvido a expressão “trair e coçar é só começar”, pesquisas mostram que pessoas que, por alguma razão, tiveram uma relação extraconjugal tendem a repetir o ato.

Quando o assunto é infidelidade feminina, aí é que o assunto é envolto em tabus. Segundo algumas pesquisas, entre as motivações das traições femininas estão a falta de intimidade sexual, o cansaço dentro da relação e a falta de interesse no parceiro atual, porém é crescente o número de casos em que a razão é o mais simples e puro desejo sexual. E o que essa última informação nos mostra? Que a carga moral que antes a mulher carregava tem perdido sua força e ocorre certo nivelamento com os homens, de modo que se tem percebido que ambos traem com frequência semelhante. Porém, nos discursos de bares, entre amigos, ainda se insiste em não admitir o simples desejo, e aí tem tudo a ver com que falei no início desse texto.

Um dos elementos comuns e que pode nos fazer pensar sobre causas é a falta de comunicação entre os casais. Há pouca conversa sobre interesses sexuais, fetiches, desejos, e isso já em razão de o outro considerar que não será compreendido. Nesse sentido, a força moral empurra justamente para o oposto aquilo que se pretendia, em princípio, melhorar.

Muitas pessoas que procuram a clínica, por causa desse tema, iniciam falando da impossibilidade disso e acabam confessando atos contrários, e isso muitas vezes em volta de muita culpa. A culpa não impede a repetição do ato, a moral tem se mostrado insuficiente para impedir, o ciúme não controla. O que fazer?

Primeiro, e acima de tudo, buscar se conhecer. O autoconhecimento é ainda a arma mais poderosa para lidar com nossos desejos, instintos e nossas vontades. Depois, estabelecer diálogo. Como traição significa coisas diferentes para pessoas diferentes, é necessário um lugar comum na compreensão do casal do que cada um pode oferecer.

Eu sei, essa é a parte difícil, talvez se torne difícil porque precisamos rever conceitos que estão instalados em nós como verdades absolutas. Uma conversa honesta no começo das relações pode ser o segredo do sucesso futuro para ambos os envolvidos. Sem um diálogo franco e honesto, em geral, iremos construir uma relação adoecida, na qual a traição se estenderá a tantos comportamentos que será impossível manter a boa qualidade de qualquer relação.

Busquem ajuda para compreender esse tema sobre um enfoque mais qualificado. Quando entendemos que o tema não se resume apenas a aspectos morais ou sociais, fica mais fácil lidar com eles. O fato é que nenhuma cultura domina plenamente o pulsional, mesmo que seja essa sua razão de existir. Outro, muito dos atos chamados de infidelidade estão ligados a vivências edípicas infantis e até a traços pré-edípicos.

Outra verdade absoluta que precisa ser revista é a ideia do amor romântico que completa o indivíduo. A clínica nos mostra que nós temos uma necessidade nunca satisfeita pela realidade. Em alguns casos, isso fica mais evidente do que em outros. Desse modo, uma das consequências de não lidar bem com isso é a infidelidade. Ela também nos mostra a relação da infidelidade com a hostilidade edipiana e as feridas narcísicas.

Para além do simples discurso moral, a traição pode estar associada a vários medos ignorados dos sujeitos, mas a própria fidelidade em vez de ser mera questão de escolha ou de respeito pelo parceiro pode estar associada a medos do sujeito. Ora, o que estou dizendo é que determinar uma pessoa pelo ato da traição ou da fidelidade, desconsiderando a complexidade que é um sujeito, é apenas ingenuidade e ignorância. A fidelidade possível é aquela que começa não exigindo do parceiro ou parceira ser mais do que se pode ser.

Fidelidade plena é utopia, mas é possível com maturidade construir uma relação sem terceiros, se esse for o interesse e a disposição dos envolvidos, e isso como fruto de paciência, de criatividade e de trocas legítimas. Nessa seara, existem milhares de modelos, nenhum mais certo que o outro. Existem casais em que o terceiro destrói a relação, e há outros em que o terceiro salva a relação. Casais que se abrem para experiências que, em uma outra relação, colocariam tudo a perder. Há quem lide bem com o segredo, há outros que preferem as confissões. São tantos modelos e casos que não daria para listar. Somos seres de pulsões que não se submetem totalmente à razão.

Inventamos a civilização e nela tentamos controlar nossos impulsos, entre eles os sexuais. Porém nosso corpo não é regido pela moral, cultura ou civilização, nossos desejos são cegos e sem direção, nossos objetos são escolhidos dentro de um limite cultural, e isso é bem tenso. Quando tudo dá certo, na nossa passagem pela viagem da nossa formação psíquica, lidamos melhor com nossos desejos, mas mesmo assim não somos super-heróis ou heroínas. Alguns, considerando a normalidade dos desejos e a construção social, criam para si novas regras morais e encontram parceiros que comunguem da mesma ideia, vivem melhor, mas mesmo assim não estão a salvo de outros tipos de traições.

O que sei é que cada um precisa ser honesto consigo mesmo antes de tudo, precisa ter coragem de enfrentar seus medos e de ir ao encontro da própria alma. Depois, em tendo alguém com quem possa construir uma relação saudável, madura e adulta, que faça isso sob a luz do bom-senso e da coerência, não exigindo o que não exige nem a si mesmo.

No mais, façam análise!

Ivo Fernandes
14 de maio de 2020

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