O papel das emoções no desenvolvimento do câncer


O tema proposto ainda é motivo de discussões entre especialistas, apesar da crescente admissão da relação entre as emoções e as doenças. Quanto ao câncer, é claro que como explica o psiquiatra Mario Alfredo de Marco, da Universidade Federal de São Paulo, “Não se pode ter uma visão reduzida, não é só pelas emoções que alguém ficou com câncer, há outros fatores que implicam no surgimento da doença”. No entanto, evidências mostram que os sentimentos podem ser um fator importante no desenvolvimento da doença. Já há vários estudos nessa linha.
A necessidade de falarmos sobre isso é evidente, uma vez que o câncer é uma das doenças mais graves, devido ao número de mortes que provoca e pelos efeitos que causa em nível psicológico, afetando a sexualidade e a própria imagem pessoal. Mas não é só após a descoberta da doença que o cuidado com as emoções deve ser tomado. Alguns sentimentos como mágoa e estresse podem prejudicar a saúde e atuarem como fatores de risco para o aparecimento de vários tipos de câncer.
A mágoa, por exemplo, classificada como a perda do objeto real ou imaginário, pode ser causadora do desenvolvimento do câncer”, diz o psicólogo Nei Calvano, coordenador de psicologia do Centro Universitário Celso Lisboa.
Além disso, sentimentos como desilusões, tristeza e falta de ânimo, somados às mudanças sofridas no estilo de vida nas últimas décadas, deixam as pessoas mais estressadas, e levam ao uso abusivo de bebidas alcoólicas, cigarros e outras drogas, como uma alternativa para se desligar dos problemas. Podemos afirmar que o equilíbrio emocional é fundamental para a saúde física e psíquica. Aspectos fisiológicos e emocionais estão totalmente entrelaçados.
Como terapeuta há vários anos, sei que algumas pessoas possuem menos recursos para lidar com conflitos e, consequentemente, podem mergulhar no sofrimento durante anos e prejudicar a resposta funcional do sistema imunológico. “Determinados sentimentos, como o estresse e a mágoa, provocam uma liberação maior de certas substâncias neuroquímicas no organismo. Estas substâncias, como o excesso de adrenalina ou cortisol e a receptação da serotonina, afetam diretamente o corpo” (Nei Calvano).
Portanto que fique claro que não estamos dizendo que alterações emocionais são causas diretas para o desenvolvimento do câncer. Mesmo nos casos em que não há fatores de risco associados não se pode afirmar cientificamente que o fator desencadeante foi provocado por aspectos emocionais. O que se pode considerar é que situações de intenso sofrimento prolongado provocam alterações físicas e emocionais resultando em um campo de vulnerabilidade para o adoecimento. Hoje sabe-se que o sistema nervoso autônomo, responsável pela coordenação do funcionamento de todos os órgãos internos, é regulado pelo sistema límbico, que por sua vez é afetado pelas experiências afetivas e emocionais do indivíduo em seu contexto social.
O problema mente-corpo tem sido tema de discussão desde a antiguidade. As concepções sobre saúde e doença e sobre a natureza das enfermidades constroem-se dentro de uma perspectiva dualista, que considera mente e corpo como entidades distintas, ou numa perspectiva monista, que considera a unicidade e indissolubilidade de ambos. Ao longo da história, tem-se observado oscilações entre ambas as concepções que repercutem também no pensamento médico.
Na Grécia Antiga, Aristóteles e Hipócrates consideravam o homem como uma unidade indivisível. Hipócrates (460 a.C.), numa tentativa de explicar os estados de saúde e enfermidade, postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio destes elementos. Ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização deste estado. Hipócrates entendia que a doença não representava a vontade divina, mas surgia por antecedentes lógicos. A saúde, para ele, consistia de um equilíbrio harmônico com o mundo ao redor, enquanto a doença surgia de desafios a esse equilíbrio. Essa visão racionalista fundamenta a medicina moderna (VOLICH, 2000).
No início do século XX, Freud resgata a importância dos aspectos internos do homem com o desenvolvimento da teoria psicanalítica. A compreensão da relação mente-corpo, até então, era baseada numa visão dualista, tanto em relação ao princípio como em relação à função desses dois aspectos. O funcionamento de ambos era considerado quase que independente um do outro e a interação ocorreria numa via dupla de forma psico-somática ou somato-psíquica. A compreensão da interação mente e corpo ganha novas perspectivas a partir da Psicanálise, quando ambas as dimensões são pensadas de forma conjunta e dinâmica, possibilitando a criação de um campo de saber denominado Psicossomática (VALENTE e RODRIGUES, 2010)
No final do século XIX, Freud (1835-1930) resgata a importância dos aspectos internos do homem com o desenvolvimento da teoria psicanalítica. Não encontrando lesão orgânica nos corpos das histéricas que justificassem os sintomas apresentados, Freud (1893), em seu livro “Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas” afirma que “a histeria se comporta como se a anatomia não existisse, ou como se não tivesse conhecimento desta”. Uma paralisia nos membros inferiores ocorria mesmo com os músculos e nervos intactos, ou uma afasia ocorria sem que a área de Broca estivesse comprometida. Pela hipnose, podia-se retirar ou até alterar os sintomas momentaneamente, demonstrando que o organismo estava em condição de funcionamento “normal”. Exemplos como esses desafiaram a Medicina da época, pois não havia até então explicação para esses eventos, fazendo com que a histeria caísse no âmbito da encenação e teatralidade. Pelo método da associação livre, que se tornou a técnica psicanalítica por excelência, as histéricas diziam o que lhes vinha à mente e acabavam por relembrar uma cena traumática e que, de certo modo, esse trauma se associava com os sintomas. Essa associação era tal que, ao conseguir verbalizar a situação traumática, os sintomas eram abrandados. Assim, eles passam a possuir um sentido que é construído pelo sujeito, uma motivação que é desconhecida para o indivíduo, é inconsciente, mas remontando a uma cadeia lógica, ao verbalizar e trazer à tona esse evento traumático e reprimido, os sintomas eram aliviados (FREUD, 1895). Apesar de não ter se aprofundado nas questões de somatização, com os estudos sobre histeria, Freud assinala a relevância dos aspectos psíquicos em algumas manifestações somáticas, fornecendo bases para se pensar na interação entre o psíquico e o somático a partir da psicanálise.
Apesar das divergências existentes entre os diversos autores, nota-se um consenso acerca da existência de uma relação entre aspectos cognitivos, emocionais e manifestações somáticas, excluindo a possibilidade de uma completa separação funcional entre mente e corpo. É unânime a convicção de que processos emocionais são acompanhados por alterações fisiológicas, demonstrando a interligação entre mente e corpo. Há pelo menos quatro possibilidades de entendimento filosófico desta relação, todas elas de interesse para a psicossomática:
a) Uma via de mão única entre mente e corpo, tal que os processos mentais teriam efeitos somáticos, mas não vice-versa. Esta interpretação é consistente com o Monismo Idealista, para o qual mente e corpo formam uma unidade determinada pelos processos mentais;
b) Uma via de mão única entre corpo e mente, tal que os processos somáticos teriam efeitos mentais, mas não vice-versa. Esta interpretação é consistente com o Monismo Materialista (ou Epifenomenalismo), para o qual mente e corpo formam uma unidade determinada pelos processos materiais, sendo negada a possibilidade da chamada "causação mental", ou seja, a possibilidade de um processo mental produzir efeitos físicos;
c) Uma via de mão dupla entre mente e corpo, de tal modo que os processos mentais teriam efeitos somáticos, e os processos somáticos teriam efeitos mentais. Esta concepção corresponde a um Monismo Neutro ou Interacionista, que admite tanto a causação mental (dos processos corporais), quanto a causação corporal (dos processos mentais);
d) Uma unidade mais profunda entre corpo e mente, os quais seriam diferentes aspectos de um substrato único. Nesta concepção, os processos físicos do corpo são também mentais, e vice-versa, não se podendo utilizar o conceito de causação entre os aspectos. Ao invés de causação, pode-se referir a um isomorfismo de processos corporais e mentais. Esta concepção remete ao Paralelismo Psicofísico de Espinosa (vide Ferreira, 2010), ou ainda ao Monismo de Duplo Aspecto de Velmans (2009).
Os resultados científicos disponíveis não restringem as possibilidades de interpretação dos fenômenos psicossomáticos a uma das alternativas acima. Ressaltamos a importância de se discutir tal diversidade de interpretações viáveis, ensejando esforços colaborativos no sentido de se melhor compreender a complexidade do ser humano e do processo saúde - doença.
A partir daqui aponto algumas considerações clínicas da minha prática terapêutica, a fim de demonstrar caminhos viáveis para evitarmos o desenvolvimento das doenças.
Primeiro – existe uma crescente relação entre relacionamentos mal resolvidos e a manifestação de algumas doenças. A maioria desses relacionamentos são alvos da questão ideal-real, além de lidarem constantemente com a sensação de expectativa de abandono. Para lidar com situações como essas, é preciso um reformular de nossos preconceitos e conceitos que não estão fundamentados na razão, além de profundo autoconhecimento.
Segundo – existe uma relação de dependência emocional e a manifestação de algumas doenças. Pessoas que não conseguem tomar decisões, nem lidar com escolhas, e que geralmente responsabilizam os outros por tudo apresentam na clínica mais o desenvolvimento de doenças. É preciso reconhecer a fonte dessa incapacidade e terapias que promovam a autonomia.
Terceiro – num outro extremo estão as pessoas que tem apresentando um desamor, um desapego extremo, em geral essas pessoas são vítimas de emoções fortíssimas como o ódio ou a mágoa e o stress. Tais pessoas apresentam doenças diversas.
Falemos destes dois aspectos: a mágoa e o stress.
Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular mostrou que 54% das mulheres, com histórico de câncer, apontaram fatores emocionais como tristeza, mágoa e rancor no aparecimento e desenvolvimento da doença.
O estresse é outro fator de grande importância, tanto pela sua influência no surgimento do câncer, como também como agravante no processo cancerígeno. Quando estamos estressados, o organismo libera o cortisol, hormônio que em excesso enfraquece o sistema imunológico, produzindo algumas modificações na estrutura e na composição química do corpo, o que, consequentemente, provoca uma desorganização nas células, contribuindo para o desenvolvimento do câncer.
Nossa mente não se desliga do nosso corpo, nem por um segundo, estamos sempre conectados com conteúdo internos e, na sua grande maioria, inconscientes. A primeira ação é mudar a sua atitude perante a vida. Ser mais otimista, adotar um estilo de vida saudável, gerenciar o estresse, encontrar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, sair com os amigos, com a família, viajar, ir ao cinema, encontrar uma atividade de lazer que dê prazer, e, acima de tudo, praticar pensamentos positivos no dia a dia.
Eu costumo dizer aos meus analisando que eles precisam sempre analisar o estado de saúde emocional deles, tendo pelo menos 5 atividades diferentes na vida, quanto menos diversidade mais propenso a desenvolver doenças.
Conselhos práticos para isso, envolvem: Fazer coisas que se gosta; aprenda a dizer não, reconhecendo seus limites; gastar um tempo consigo mesmo, afinal há um problema se não conseguimos estar a sós conosco mesmo; permita-se expressar seus sentimentos, sem guardar mágoas ou ressentimentos ou ser ofensivo, lembre-se há uma diferença entre ser verdadeiro e ser ofensivo; não tenha muitas expectativas, mas não deixe de se planejar; aprenda abrir mão, deixar pra lá, a coisas mais importantes do que vencer toda discussão; curta boa música, leia bons livros, vá ao teatro e ao cinema, não esqueça o mar e as serras; Dance, namore, estude, aprenda coisas novas. Lembre-se das cinco atividades, que tal elas envolverem: atividades artísticas, educacionais trabalho, espiritualidade e relacionamentos afetivos?!
Enfim, não podemos evitar todas as doenças mas podemos enfrenta-las e vencê-las, pois, até para quem faleceu com um câncer, mas não permitiu que ele destruísse sua vida enquanto vivo, temos aí um vencedor.
Boas emoções para todos nós!
Ivo Fernandes

Referências
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