A questão da sexualidade no Evangelho
A sexualidade diz respeito a todo um conjunto de fantasias e atividades existentes desde a infância, que produzem prazer e não podem ser reduzidas à satisfação de necessidades fisiológicas. Não se limita a questões genitais ou de procriação, mas designa uma função vital orientada para a busca de um encontro funcional, totalizador e prazeroso.
Além disso, podemos falar de um caráter transcendente da sexualidade, pois ela está presente em cada um de nós e ao mesmo tempo nos escapa. Ela nos ameaça com suas demandas ao mesmo tempo em que nos promete gratificações supremas. Fascínio e terror a cercam. Felicidade e culpa a rodeiam. E essa característica da sexualidade que nos faz dela se defender. Mesmo numa sociedade dita livre a sexualidade é revestida de tabus, se chocando sempre com leis e proibições.
E por estas razões a sexualidade apresenta profundas analogias com a experiência religiosa. O deus-imaginário tem suas origens na dinâmica da sexualidade infantil. A relação da religião com a sexualidade fica tão evidente que vemos a sacralidade do sexo em algumas religiões e as proibições e tabus em outras.
Porém de maneira surpreendente o Evangelho não se ocupa com a problemática sexual. Não há nenhum ensino completo ou sistemático a respeito do assunto. Portanto o privilégio que possui o tema dentro do cristianismo não é em razão do Evangelho. Comportamentos como masturbação, homossexualismo, relações pré-conjugais que atormentam os cristãos não encontram muita referência no Evangelho. É do estoicismo que nasce nossa “moral” sexual e não das páginas do Evangelho.
Jesus nunca se apresentou como inimigo do corpo, pregando sacrifícios e privações. Não foi um asceta, nem um essênio, ao contrário gostava tanto das companhias humanas que foi acusado de comilão e beberrão. Em Jesus vemos em vez de repressão sexual uma forte sublimação. Havia uma paixão em Jesus que o absorvia e canalizava toda a sua energia, a paixão pelo Reino. E foi dedicando-se a esse tema é que podemos ver como o Evangelho tratou do tema da sexualidade.
Os comportamentos sexuais concretos não são objetos de preocupação dos Evangelhos, mas sim as estruturas básicas por meios das quais a sexualidade se desenvolve e produz maiores alienações: a família sacralizada; o pai como símbolo de opressão; e a marginalização da mulher.
É na família onde primeiro a sexualidade se configura, ao mesmo tempo em que primeiro se choca com limitações, proibições, leis. Apesar do inegável valor da família encontramos no Evangelho uma mensagem revolucionária e inquietadora.
Jesus não trata a família como um espaço sacrossanto, nem um espaço para se defender a todo custo, antes estimula aos seus discípulos a superarem os laços de carne e inaugurarem um novo modelo de filiação que desloca a ordem biológica. Laços espirituais entre os homens é que o determina essa nova família universal.
Na nova configuração familiar, as figuras de autoridades são chamadas a ocuparem o lugar de igualdade. Pais se convertem em irmãos, levando os filhos a tornarem-se adultos, autônomos e responsáveis. Desta forma os esquemas neuróticos da sexualidade e da religião sofrem um grande golpe quando se destrona a figura do pai dominante e opressor. Na nova ordem de relações inauguradas pelo Reino, o único vínculo que se estabelece é o da fraternidade no serviço mútuo. E por fim Jesus defende a mulher contra as arbitrariedades dos homens, colocando ela em posição de direitos iguais.
Jesus não nos oferece nenhum código de ética sexual porque espera que o ser adulto movido pelo amor seja seu próprio juiz. O Deus de Jesus de Nazaré não é inimigo do prazer humano, esse inimigo é na verdade o deus-imaginário.
Ivo Fernandes
21 de novembro de 2010
Comentários
Além disso, ao contrário do que prega o catolicismo, os Evangelhos não afirmam que Maria tenha permanecido virgem até morrer. Os livros que homenageiam Mateus e Lucas relatam que de fato Jesus nasceu de uma virgem, mas também mencionam que o Senhor teve também irmãos e irmãs, dentre os quais dois escritores das epístolas universais do Novo Testamento (Tiago e Judas), o que dá a entender que Maria e seu esposo José fizeram sexo. E, com certeza, não foi uma vez só não...