Eu e o Lego
Quando era eu era menino brincava
como menino, mas quando cheguei a ser homem senti saudade das brincadeiras de
menino, e assim, menino decidi continuar sendo. E em que consisti minha
meninice? Na insistência para estar acordado, no sorriso largo, na vontade de
experimentar o novo, na dança, na capacidade de perdoar amigos e de estar bem
com todos.
Ontem, tive uma bela surpresa
ganhei um presente especial, um playmobil. E o que há de especial num presente
desses? Ele me trouxe boas lembranças.
Fui criado num lar sem crianças. Meus
primos apesar de próximos fisicamente, não eram tão próximos de fato, assim na
maior parte do tempo brinquei sozinho. Acompanhava minha velha mãe, minha maior
companheira da infância, nas novelas e na cozinha, e lia os livros que minha
irmã me estimulava, aos 10 já tinha lido tudo de Vinícius.
Minhas brincadeiras consistiam em
criar realidades diversas, como se a cada espaço de tempo fosse eu um diretor
de uma novela em que também era o ator principal. Assim foi até os meus 15
anos, e ainda hoje, algumas vezes, me pego inventando novelas, e tal imaginação
está presente de maneira mais sofisticada nos muitos de mim.
Não tinha muito brinquedo,
primeiro por causa do pouco dinheiro, segundo, por filosofia daquelas que me
criavam. Via os primos tendo tudo e eu quase nada, mas nunca reclamei, sempre
precisei de muito pouco, bastava-me espaço, qualquer material e imaginação.
Um dia andando no terreno baldio
ao lado da minha casa, encontrei um boneco playmobil sem o cabelo, portanto com
a cabeça tendo um buraco. Ele, que batizei de Lego, tornou-se o personagem
principal das minhas brincadeiras com bonecos, que havia conseguido trocando
tampinhas de refrigerantes.
Eu brinquei muito porque
precisava de muito pouco. Lembro-me de minhas lutas com as ondas do mar, e que
relembrei e revivi de maneira fantástica ontem. Sim! O tempo passou, eu
envelheci de diversas formas, mas o velho menino ainda me habita. Permanece aqui
meu delirar com as manhãs e meu desejar da noite. Ainda sinto cheiros e gostos.
Celebro músicas, adoro companhias, e meu sorriso é constante. Sofrer? Sim! Muito
e de muitas formas, mas que menino gasta tempo com as dores quando estas interrompem
a brincadeira?
Hoje tenho novamente meu Lego,
também mais velho, é moreno, tem barba e agora cabelo. Velhos amigos que se reencontram
e se descobrem os meninos de sempre.
Ivo Fernandes
24 de maio de 12
Comentários
Emocionante. fui profundamente tocada por esse seu texto. Chorei.