A face feia de Deus
Pela manhã logo cedo ligo minha
televisão e faço uma viagem pelos canais que me levam a observar aquele
fenômeno – milhares de pessoas lotam templos neopentecostais. Tudo gira em
torno de promessas de um deus maravilhoso que resolverá todos os problemas se
você pagar bem. É no mínimo intrigante tal fenômeno.
Paro um pouco e reflito sobre a
sinceridade de cada pessoa ali presente. São mulheres, senhoras, mães e avós de
famílias, homens de bem, trabalhadores, na maioria pobres. Gente simples
buscando um deus que aprenderam existir sobre tal face, a do provedor. Em outro
canal, outra igreja, milhares de pessoas, buscando o deus sofrido na cruz, pela
via da penitência salvar-se do pecado. São tantas buscas, tantos rostos para
Deus.
Ainda na manhã desse dia saio para
almoçar e decido ir para um lugar por mim ainda não visitado. Uma barraca ao pé
do mangue visitada por pessoas pobres, simples. Uma gente sofrida revelada nos
faces enrugadas e com pouca beleza. Nenhum corpo escultural, tatuagens mal
feitas, crianças visivelmente mal alimentadas. Nada parecido com outro lugar que
tinha ido semana anterior. Ali contemplei a beleza do feio.
À noite na reunião dos do Caminho,
ali sentado em minha cadeira, observo cada um que chega. Uma família que vem de
longe, pessoas simples, uma mulher com seus filhos, seu marido, e sua mãe de
cabelos brancos. Depois um casal bem vestido, e outro, e depois outro. Até que
entra um jovem com sua garrafa de vinho e suas brincadeira muitas vezes fora de
hora, e pensei em tudo que vivi e vi naquele dia.
Como fundo de minha fala tocava uma
música que eu sem saber perguntava sobre o rosto de Deus. E ali pensei, e se
Deus fosse feio, fosse negro, fosse mulher, fosse pobre, fosse sujo, fedorento.
Se entre todos nós naquela noite fosse justamente aquele jovem com cheiro de
bebida como me comportaria? Se Deus fosse como qualquer um de nós? Não como as
pinturas das belas telas. Não como o poderoso ou o piedoso das igrejas. Se
fosse apenas como um homem marcado pelo dia a dia, será que os templos estariam
lotados? Continuaria acreditando nele?
Pode parecer absurdo minha
indagação, mas não é isso que nos ensina o símbolo da encarnação? Se Deus fosse
a cara do indesejável em nossas mesas? Se
fosse um pecador, nascido em área pobre, de família pobre, sem formosura, sem
atrativos, apenas um simples trabalhador, sem educação formal, sem bom cheiro,
eu iria desejá-lo?
Se em vez de um rei apenas um
carpinteiro iria de fato adorá-lo?
Hoje amanheci apaixonado pela face
feia de Deus.
Ivo Fernandes
22 de outubro de 2012
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