Vendedor de tapiocas
Quando eu era criança
imaginava-me atuando. Sempre fiz da minha vida uma novela, era sempre, lógico,
ator principal. Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse,
dizia um ator. Depois veio aquela fase que você muda todo o dia o que deseja
ser. Mas logo aos 8 anos fui envolvido por uma rede de ‘profecias’ que
afirmavam que seria um pastor-pregador. Bom, isso determinou todo o resto da
minha vida até aqui.
Aos 15 anos era um pregador,
gastando todo meu final de semana em reuniões religiosas. Aos 18 já era pastor.
Em vez de uma faculdade aos 17 anos estava no seminário teológico. Bom, depois
disso não tinha mais tempo para nada, dediquei-me ao serviço ao próximo e a
pregação do Evangelho, porém sustentar-me ficou difícil sendo pastor de uma
igreja bem pobre num dos bairros mais miseráveis de Fortaleza, decidi então ter
um emprego formal. Comecei então trabalhar com educação física por causa de um
membro da igreja que trabalhava na área e me chamou para trabalhar com ele. Foram
7 anos, mas não consegui me formar, abandonei mais de uma vez a faculdade e
deixei as academias por não conseguir conciliar aquela realidade com a
realidade de pastor-pregador, preferindo esta em vez daquela.
Então me tornei professor de
teologia, e isso me envolveu mais ainda com o ministério me afastando do então
chamado mundo secular. Da teologia fiz psicanálise, mas quando comecei a
clínica atendia quem me procurava por intermédio da igreja e aí não cobrava
ninguém e assim é até hoje.
Em 2003 minha vida parecia
começar a mudar. Fui pastorear uma igreja que pela primeira vez falou em me
pagar um salário e me ajudar nas despesas essências. Mas minhas diferenças
teológicas e posturais logo mostrariam que meu caminho não seria fácil. Resultado,
não dava mais para viver no mundo evangélico, e com isso foram embora as
chances de conciliar ministério e uma vida minimamente decente. Em 2005 decidi
começar um ministério próprio, mas não deu certo. Percebi que não fui chamado
para erguer ministérios eclesiásticos, era um pregador e não um chefe de
instituições religiosas. E nesse ano rompi definitivamente com o movimento
evangélico.
Desde então venho tentando, mas
os desafios foram e são muitos. Os seminários onde lecionava me despediram a
medida que meu envolvimento como movimento Caminho da Graça se consolidava. E
para terminar essa saga, no último ano adoeci e isso me tirou do colégio onde
dava aula por me considerarem inapto para as funções. E o trabalho que tinha como
terceirizado na prefeitura local perdi por causa da mudança de gestão e por não
ter nenhum político que pudesse mendigar isso.
Então comecei 2013 doente,
desempregado e sem muitas perspectivas. Mas incrivelmente não tinha mais
perguntas que tanto me assolaram em anos anteriores. Certa paz estranha me
dominava, talvez a paz dos mortos. Que mal poderão fazer a alguém que já
morreu?
Como vivo a vida sempre com um
sorriso no rosto e sempre estou disponível as pessoas e tenho paixão pela beleza
poucos percebem isso que aqui escrevi. Minhas condições são ignoradas pela
maioria e boa parte nem acredita. Principalmente quando digo que atualmente
estou vendendo tapiocas.
Sim! Bem cedo a cada manhã saio
com tapiocas, bolos e outras coisas em minha sacola para vender para as mesmas
pessoas que antes eram meus companheiros de escritório. Confesso ter sido difícil
nas primeiras vezes, principalmente o olhar de alguns que pareciam julgar-me
fracassado por tal situação, mas enfrentei isso e com o sorriso de sempre saio
anunciando que o lanche chegou.
É complicado adaptar sua vida a
menos de um salário mínimo por mês, mas continuo tendo tudo. E uma voz que me
visitou há muito anos atrás, continua me falando: “Porventura te faltou alguma
coisa?” E respondo: “Nada Senhor! Nada me faltou.”.
Bom, esse sou eu, teólogo por
formação, educador por profissão, psicanalista por prazer, e agora vendedor de
tapiocas. Mas talvez meu sonho de infância tenha sido realizado. Sim! Um ator,
atuando no cenário da vida e independente da plateia cumprindo meu papel de ser
apenas quem eu realmente sou.
Ivo Fernandes
14 de março de 2013
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