Abraão e Ulisses, entre os caminhos da Fé e da Razão
Abraão
e Ulisses são personagens centrais, um da cultura judaica o outro da cultura
grega. Ambos heróis, mas humanos.
A história de
Abraão relata o caminho de homem rumo ao Desconhecido, movido pela Fé. A de Ulisses é a história de um retorno para casa, para
isso lutando contra o Desconhecido.
Muitas
questões podem ser levantadas em torno desses mitos-história, a que destaco, no
entanto é a relação que os dois estabelecem com o Desconhecido no caminho que
cada um traça. Ulisses parte de Ítaca em direção a
Tróia, se perde por 10 anos, mas
retorna ao seu ponto de origem,
Abraão parte em busca de uma terra desconhecida,
estabelecendo uma eterna errância.
Em
Ulisses, o Desconhecido precisa ser reduzido para que ele volte para o seu
lugar seguro, o que chamarei de um caminho para si. Em Abraão, o Desconhecido é
mantido inatingível, porém intensamente desejado.
Em
Ulisses há um “eu” pensando
em si mesmo, em Abraão há um eu em direção a um Outro. O caminho de Ulisses
também pode ser chamado o caminho do homem racional, que deseja vencer o Desconhecido
para habitar nas terras seguras da Razão. O caminho de Abraão pode ser chamado
o caminho da Fé, que sai da segurança do seu mundo rumo ao Desconhecido.
Os
dois possuem éticas próprias, a do primeiro uma ética em torno do sujeito, a do
segundo em torno do Outro. No primeiro o homem se torna um formador de si
mesmo, no segundo um material forjado pelas mãos de Outro.
Tais
caminhos estão relacionados à busca mais básica da humanidade, a resposta às
perguntas: Quem sou eu? Donde
venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta
vida? Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas
aparecem também nos Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos de
Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda
quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos
tratados filosóficos de Platão e Aristóteles. São questões que têm a sua fonte
comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem:
da resposta a tais perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime à
existência.
Na
busca por responder tais perguntas, o homem desenvolveu variados recursos, de entre eles sobressai à filosofia, cujo contributo
específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta. Porém o
caminho da fé não foi substituído e nem destruído.
A recomendação conhece-te a ti mesmo, que estava esculpida no templo de
Delfos, que deve ser assumida como regra mínima de todo o homem que deseje
distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua qualificação de « homem »,
ou seja, enquanto «conhecedor de si mesmo » não é possível somente pelos
caminhos da razão, apenas na viagem de Ulisses. O mistério é inegável, o
Desconhecido pode falar mais de nós do que imaginamos.
Ouso afirmar que a viagem
que devemos fazer é síntese da viagem desses dois personagens. Não somente em
direção a si ou somente em direção ao Outro, mas no caminho de si chegar ao
Outro, ou mesmo na viagem em direção ao Outro encontrar-se consigo.
O caminho é entre a Fé e a
Razão. Entre o Eu e o Outro. Entre o Conhecido e o Desconhecido. Entre a Filosofia
e a Espiritualidade. Entre Deus e o Homem.
Qualquer um dos caminhos, de Ulisses e de Abraão,
da Razão e da Fé são mais pobres isoladamente. A razão, privada do contributo
da Fé, percorrerá sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta
final. A Fé, privada da razão, corre o risco de se tornar mera superstição.
Meu desejo como viajante que deseja conhecer a si
mesmo, retornar pra casa, mas não negar o Desconhecido, antes penetrá-lo é que a
Fé e a Razão recuperem aquela unidade profunda que as torna capazes de serem
coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca autonomia.
Desejo caminhar com a obediência assombrosa da fé
de Abraão sem perder a coragem e audácia da Razão de Ulisses.
Ivo
Fernandes
28
de abril de 2013
(A história de Abraão encontra-se no livro Gênesis
da Bíblia Judaica-Cristã e a de Ulisses no Livro de Homero – A Odisséia)
Comentários