Liberdade e Libertinagem – Do uso ao conceito
Pensar
o tema liberdade e libertinagem não é tarefa fácil frente aos diversos
conceitos que cercam tais palavras. Além do conceito, vários usos das mesmas
dificultam uma direção em que possamos desenvolver melhor o tema.
Popularmente
se tem na frase “liberdade não é libertinagem” um claro antagonismo onde
liberdade é pensada associada com condições morais, geralmente presentes no
termo “responsabilidade” e libertinagem com ações contra moral, vistas como imorais.
O que nos faz perceber que por trás do tema – liberdade e libertinagem – está
presente o tema – moral. E aqui temos um problema, pois se é a moral que
fundamenta nossas reflexões sobre liberdade e libertinagem, logo trataremos não
livremente, mas permeados por códigos, regras e preceitos religiosos que são em
geral os guardiões de nossa moral ocidental.
A
moral tem como efeito o juízo contra o próximo e o acolhimento da hipocrisia.
Se ela for a regente da nossa reflexão sobre liberdade e libertinagem, tal
reflexão nos conduzirá para os mesmos efeitos. Onde será livre aquilo que for
de acordo com ordens, práticas e modelos instituídos, e libertino tudo que for
contrário a isso. Logo o discurso da liberdade nada mais é do que um discurso
moral na boca dos cristãos.
A
moral destrói a possibilidade de pensarmos produtivamente o tema da liberdade,
pois ela trabalha contra a própria liberdade. É a moral que nos coloca na
dialética liberdade e libertinagem. Onde libertinagem é algo contrário aos seus
ditames, ou seja, nada tem haver mesmo com a liberdade, porque essa nem sequer
existe de fato no reino da Moral.
Bom,
então como pensar a liberdade? No decorrer dos séculos muitas foram às
produções do pensamento em torno disso, desde o conceito de esclarecimento em
Descartes, até a identificação com a natureza de Spinoza, passando pelos princípios
de causalidade discutidos por Leibniz, até a negação dela em Schopenhauer.
Porém
ouso afirmar junto com Leibniz que “a liberdade é espontânea porque sempre
parte do sujeito agente que, mesmo determinado, é responsável por causar ou não
uma nova série de eventos dentro da teia causal. E é refletida porque o homem
pode conhecer os motivos pelos quais age no mundo e, uma vez conhecendo-os,
lidar com eles de maneira livre."
Nesse
sentido seguindo outro pensador, Sartre, digo que a liberdade humana revela-se
na angústia.
O homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é
livre para não ser livre, está condenado a fazer escolhas e a responsabilidade
de suas escolhas é tão opressiva, que surgem escapatórias através das atitudes
e paradigmas de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade,
mentindo para si mesmo através de condutas e ideologias que o isentem da
responsabilidade sobre as próprias decisões.
A
pergunta que se segue a estas afirmações é se o homem livre sabe sempre o que
quer? Mas isso não nos conduziria de novo ao reino da moral? Logo esse é um
jogo arriscado, pois se liberdade pressupõe responsabilidade, não parte daqui a
construção de modelos que serão à base de qualquer moral? Talvez esse dilema
nos leve a percepção de que a liberdade não pode ser pensada de maneira
absoluta, longe das tramas sociais.
Toda
tentativa de pensar a liberdade metafisicamente nos conduziu até agora há
modelos que serviram de regras produzindo a moral que por sua vez matou a
liberdade. Logo, penso que devemos pensar a liberdade e a libertinagem como
criações. Não há liberdade fora do mundo concreto. O que nos fará abandonar um
discurso único em torno do tema e perceber que existem liberdades e libertinagens. Assim o reino do juízo acaba, pois não poderemos usar da nossa
liberdade para definir a dos outros, e muito menos para classificar como
libertinagens práticas que o serão assim definidas apenas por se diferenciarem
das nossas.
Nessa
altura, lembro que uma pessoa me falou que todo discurso meu é uma tentativa de
atacar e suspender o juízo contra o próximo. De fato, pois entendo que onde
houver juízo não há Graça, pois ela é o fim de todo juízo. Então em vez de
pensar o tema da liberdade sob o foco da moral, quero pensá-la sob o enfoque da
Graça. E sob este enfoque fica claro para mim, que “ninguém pode determinar o
que é bom ou mal para um homem. Isto cada um terá que aprender com Deus e com a
vida”(Caio Fábio) assim como ninguém pode determinar os limites da minha
liberdade, definindo como libertinagem o que não enquadra em seus conceitos. Se
libertinagem é o mau uso da minha liberdade, a suspensão da responsabilidade,
só eu posso pensar e definir tal limite e sofrer tais consequências.
Acredito
que seja por essa razão que o NT em vez de nos definir padrões metafísicos de
liberdade nos chama a servir uns aos outros, pautados no amor (Gl 5,13).
“Se
há moral, não há liberdade! Todavia, se há liberdade em Cristo não há prática
cínica da iniquidade. A moral mata a liberdade que temos em Cristo – a única
que deve ser reconhecida como tal! A liberdade em Cristo – que é fruto de nos
conformamos com Ele na sua morte e sermos achados Nele – não é compatível com
nenhuma forma de Moral, pois seu fruto – do da liberdade – não é outro que não
seja justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Sem barganhas com Deus, pg .86)
Libertino
não é o que bebe vinho, mas o presunçoso e arrogante que por não beber, apesar
da vontade de, julga o que bebe, julgando-se superior. Lembremo-nos que comer e
beber com libertinos era o que Jesus fazia e para este não existe ato mais
“libertino” que não se enxergar e ainda assim ser capaz de julgar os outros. Sim!
Para Jesus o supostamente livre que usava de sua possível liberdade para
cercear a liberdade dos outros, esse era o libertino.
Libertinagem
nesse sentido é toda produção da arrogância humana, especialmente a presunção
do juízo sobre o próximo (paráfrase pg 136). O fim disso é liberdade como fruto
da Graça de Deus em nós. Onde houver liberdade não haverá moral e seu conceito
de libertinagem. Onde houver moral, haverá ações libertinas por total ausência
da liberdade.
Ivo Fernandes
26 de janeiro de 2014
Comentários