Gênesis, a história do pecado e da justiça própria
Leituras
sugeridas: Gênesis 2 – 3 - 4;1-17; Hebreus 11;4
Sempre gostei do livro do Gênesis, em especial seus
primeiros capítulos. E essa admiração só aumentou quando tomei consciência do
estilo literário e aprendi a ler corretamente esses textos, pois deixei de me
preocupar com as questões históricas do texto e me dedicar ao seu ensino ético.
Das leituras que possuo nenhum texto me é tão
explicativo do ponto de vista simbólico do que os capítulos iniciais desse
livro. É nele que encontro os aspectos psicológicos, morais, arquétipos mais
adequados para compreender a história dos homens e a minha própria história.
Gênesis é o livro dos inícios. O livro da história
do homem. O livro da história do pecado e da justiça própria. É claro que o
termo história não deve ser visto de maneira contemporânea, visto o texto possuir
uma linguagem mítica.
Destaco aqui duas histórias, mas me dedicarei nesse
texto em especial a história de Caim e Abel. A primeira história é a história
dos pais de Caim e Abel, trata-se de Adão e Eva.
Quem era Adão e Eva? Arquétipos do homem antes do
pecado! O Éden é o arquétipo do espaço-tempo-local do não-pecado, da harmonia
universal. Fora isso nada podemos dizer dos tempos anteriores ao pecado, pois a
história nasce no solo do pecado. O que vêm antes disso só pode ser falado em
linguagem mítica.
O fato é que na história dos homens fora do Éden,
está presente a desarmonia, a culpa, a nostalgia, o cansaço, o crime e a morte.
Coisas que poderíamos resumir na palavra pecado.
Adão
enquanto ser-antes-da-queda era algo não classificável. Sua ‘consciência’ não
era uma com-ciência. Seu saber estava limitado pela não-experiência. E tudo que
podemos dizer a respeito dele é que a história humana é pós-Queda.
Da
história de Adão e Eva podemos concluir que pecado é condição do homem na
história com a consciência separada, fragmentada. Como era a consciência de Adão antes da Queda? Não sabemos. Tudo que
vemos e sabemos já vemos e sabemos do lugar da queda. Mas suponho que era uma
consciência que chamarei de consciência fetal. Adão sabia de si num nível
semelhante ao ser ainda dependente da existência da mãe, onde tal dependência é
fato, porém não é informação. É um saber sem saber.
O fato é
que a raça humana deixou esse estado edênico e não dá mais para voltar para
ele. O acesso a este lugar foi encerrado. Agora o éden só existe em nós, como
uma nostalgia e um vazio de não o sei o quê. Esse sentir nos mostra que houve
algo, mesmo que não nos diga o quê. Está em nós o fruto desta queda, a culpa, o
medo, o paradoxo, a necessidade de nos cobrir e um sentimento de dependência. É
desta forma que todos experimentamos o pecado e a morte, fruto de nossa
finitude. Assim independente da doutrina, dos termos, o pecado é experimentado
por todos.
O homem
pecado é o mesmo desintegrado da essência, é o homem em desarmonia, senhor de
si - mesmo, é o homem que vive à margem do Real e por isso é filho da morte,
escravo do pecado, filho do diabo.
Pecado
tratado apenas como ato é diminuição de fato do pecado. O pecado é o que sou,
sendo o que faço apenas consequência natural do que sou.
Do pecado surge a justiça própria melhor revelada
na história de Caim e Abel. Do pecado, surge a necessidade de resgatar o que
foi rompido, nasce a religião, nasce a busca para religar, restabelecer a
harmonia.
Caim e Abel são modelos dessa busca. Caim
representa a tentativa humana de cultuar a Deus pelo mérito do trabalho e da
estética; a justiça própria. Assim, ele trouxe da terra os frutos mais belos.
Abel, por outro lado representa a dependência. É claro que isso não está tão
explicito no próprio texto, tal análise é fruto de um conjunto de investigações
teológicas.
Mas voltando, Caim é o homem que oferece o seu
melhor! Abel é homem que oferece a representação do sacrifício do outro, ou
seja, a afirmação que ele não pode oferecer por si mesmo nada a Deus.
O resultado da rejeição da oferta de Caim, revela
bem o seu espirito. Só um homem cheio de justiça própria não aceita ser
rebaixado, comparado, só um espírito orgulhoso acolhe a inveja o ciúme e
torna-se um homicida. Pois só a justiça própria é capaz de matar o semelhante.
Aqui também se distingue a religião que tem por
base a justiça própria tendo como Caim seu arquétipo, e a religião da Graça
tendo por modelo Abel. Toda religião que mata o outro é uma religião da justiça
própria. Porém a religião que opera na fé na misericórdia e no amor, essa é a
religião de Abel, a religião do Cordeiro morto.
Deus rejeita toda oferta de justiça própria, mas se
agrada dos humildes. Cabe a nós perguntar de que religião somos e que tipo de
oferta estamos apresentando a Deus.
Ivo Fernandes
22 de outubro de 2015
(As partes em itálico são de
outros textos meus escritos anteriormente)
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