O sangue de Jesus
Toda a fé cristã se fundamenta no acontecimento da morte e da
ressureição de Jesus, e consequente em tudo que envolveu esse acontecimento,
como por exemplo a última ceia e as pregações cristãs a respeito do sacrifício
e do sangue de Jesus.
A história é bem simples até, um homem simples torna-se
pregador anunciando o Reino de Deus, mas por associar tal mensagem a sua
própria pessoa começou a ser perseguido pelos religiosos de seu tempo o que vai
culminar em sua morte. Morreu por não aceito pelos líderes de seu tempo.
Sua morte foi trágica, cruel e injusta. Em dos sistemas mais
terríveis da época – a morte da cruz. Contudo, dias depois era anunciado por um
grupo de homens que aquele pregador havia ressuscitado dos mortos. E isso
mudará toda a história. Afinal é por causa da ressureição que toda história
será resignificada, interpretada, compreendida.
Com certeza a primeira maneira de interpretar a morte de
Jesus foi assemelhar as mortes dos profetas antes dele. Com isso, tem no
discurso um tom de juízo contra aqueles que o mataram, como é o caso do
discurso de Pedro em Atos 2 e nos escritos primeiros de Paulo (1 Ts 2.14ss). A
reflexão da morte como resgate pelo pecado é uma interpretação posterior.
Na redação final de Marcos (10.45; 14.24) já vemos a tradição
da morte como resgate. Provavelmente interpretações posteriores. Um dado vivo
na tradição é a morte de Jesus como fruto da vontade de Deus e não mero produto
dos acontecimentos históricos. Assim a morte assume um caráter apocalíptico, o
que conduzirá para seu aspecto soteriológico. Trata-se do fim de uma era e o
começo de outra. O juízo sobre os velhos caminhos e abertura de um novo
caminho. O filho do homem rejeitado pelos seres humanos se torna juiz de todos,
mas do juízo segue-se a salvação. Jesus como um todo trouxe a salvação. Todos
os evangelhos são organizados de maneira a nos levar a esse clímax – o momento
da salvação na cruz.
Mas como pode uma morte tão violenta e humilhante ter
significado soteriológicos? O judaísmo helenístico interpretou a morte como
caráter sacrificial, como expiação pelo pecado, a partir disso eles
interpretavam toda a vida de Jesus. Os escritos de Paulo revelam que essa
tradição é bem antiga nos círculos cristãos (Rm 3,4), como também as cartas
Joaninas, mas é Hebreus onde ela mais se manifesta.
Apesar dessa tradição ser antiga e presente até hoje nos
círculos cristãos, ela não satisfaz plenamente algumas questões teológicas,
afinal fica parecendo que a misericórdia não é a força motriz, e nem o amor o
fundamento. Um Deus que precisa ser satisfeito não parece combinar com a ideia
de Deus de Graça. Assim em vez de compreender uma morte que foi “por nós”
afirma-se uma morte “em nosso favor” “para nosso bem” não no sentido “ao invés
de nós”, para que a morte não se torne necessária para a Graça, mas por causa
da Graça morre.
Na primeira tradição há um foco no passado nesta outra um
foco no futuro. Ele morreu não apenas para reparar danos do passado mas para
abrir um novo caminho. Nesse sentido a morte também assume um caráter de
exemplo, um caminho a se seguir. Passagens como a de Ef 5.2; 1Pe 2.21-24; Hb
9.14 parecem mais preocupados com a natureza exemplar desse sacrifício do que
com qualquer espécie de mecanismo propiciatório.
O sacrifício de Jesus “por todos” “por nós” nos permite não
ficar dividido entre a obra expiatória e o exemplo, visto que abre para todos
um novo caminho onde se pode servir a Deus sem se preocupar com as obras
mortas.
A cruz por abrir esse novo caminho é crise, caos para tudo
que representa o velho. Nesse sentido a cruz é ofensa, é loucura, é escândalo.
E não se pode evita-la. A cruz é o juízo e graça último. O novo vem através da
cruz ou do sangue de Jesus. Sua morte é obediência a vontade de Deus em salvar,
logo não é necessariamente propiciatória, mas carrega o peso da fidelidade que
nos conduzirá a uma concepção de nosso pecado, mas também da infinita
misericórdia de Deus. Assim a cruz é o triunfo histórico do amor de Deus.
O sangue derramado de Jesus não é o sangue que substituiu
nosso sangue individual, e sim o de todos os homens, logo tem caráter
representativo, criou uma nova ordem. Podemos concluir que o sangue de Cristo
reúne todos os elementos da tradição cristã, ele é expiatório, criando um novo
caminho de vida, é vitorioso, porque destrói toda a obra do mal em escala
cósmica, é subjetivo pois gera em nós a santidade que agrada a Deus, e é amor,
pois nos santifica antes mesmo de nossas ações.
Ivo Fernandes
14 de fevereiro de 2016
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