A identidade?! De Deus
Como fruto de uma mensagem por mim pregada sobre a questão
das identidades, onde fiz uma apresentação sobre a representação na filosofia e
na psicologia, mostrando os desdobramentos sociais e políticos da existência de
uma identidade ou representação, e a proposta dos usos das máscaras
conscientes, me chegou por meio de um dos meus ouvintes a questão da identidade
de Deus. Questionava ele – A bíblia afirma que Deus é o mesmo ontem, hoje e
será eternamente e também nos estimula a sermos seus imitadores, isso não seria
a afirmação e a necessidade da identidade? – como fruto desse questionamento
surgiu esse texto.
Afinal Deus tem uma identidade? Se sim, qual é? Bom essa é
uma questão que de cara esbarraria na nossa total impossibilidade de conhecer a
Deus. Porém existe o argumento da revelação. Assim deveríamos avaliar a
revelação para saber se por meio dela podemos responder à pergunta sobre a
identidade divina.
É importante, antes ressaltar que a crença de que podemos
conhecer a Deus, está intimamente ligada a tradição platônica do reconhecimento
das ideias eternas. O fundamento da identidade e da representação. O fato é que
de acordo com a própria escritura não podemos conhecer a Deus por meio de nossa
capacidade. Assim resta-nos avaliar a revelação, mas antes cito Tomás de
Aquino: “embora sejamos elevados pela revelação para conhecer algo que de outro
modo seria desconhecido para nós, não o somos a que conheçamos de outro modo
que não pelos sensíveis”. Isso significa que a própria revelação estará
atravessada pelos nossos modos de conhecer, as escrituras são bons exemplos
disso, somos nós a falar de Deus e não ele a falar de si mesmo.
Falamos por meio dos nossos sentidos, ou seja, o que é
significado pode ser afirmado de Deus, mas não sabemos o que é isto em Deus,
pois o modo de significar a que temos acesso é sempre o referente às criaturas.
Isso quer dizer que no final das contas nosso conhecimento de Deus permanece um
desconhecimento. Dito todas as essas coisas iniciais, sigo.
Pois bem, minha fé é forjada pelas teias desse saber anterior
descrito, assim apesar de toda convicção que me move, não dependo da razão para
ter fé. Assim, estou sempre pronto a mudar minhas crenças na medida do meu
conhecimento, visto que minha fé é intuição pura, potência e não exclusivamente
inteligência.
E quando uno minha fé e minha crença surge minha confissão, e
ela se fundamenta no Deus encarnado, assim posso falar de um evoluir da
revelação, como referente ao desenvolvimento do menino Deus até sua
ressurreição.
Revelação, portanto, para mim manifesta-se na alteridade.
Nenhum mortal pode ver a face de Deus. Em Êxodo 33, 18 Moisés só pode ver Deus
pelas costas. O conhecimento direto de Deus não é concedido ao ser humano.
Conhecimento de Deus significa conhecimento das costas de Deus. Em outros
termos a alteridade é entendida como devir. Como afirma Lutero "Deus é
aquele que está abscôndito”, logo toda sua manifestação é devir.
Deus não se deixa capturar por nenhuma forma que dele
fazemos. Ao contrário, constantemente se põe contra toda imagem que dele
fazemos. “Não farás para ti imagem”. Mas ao afirmar a encarnação como
fundamento da minha fé afirmo que Deus é relação, e por ser relação, é Pessoal
e não necessariamente Identidade. Pessoal porque sai de si para buscar a Outra,
para se dar à Outra, para perder-se na Outra e, assim, ser ela mesma, enquanto
devir. Por isso se diz que Deus é amor. Deus é relação, e por isso quer
livremente dar-se inteiramente ao humano. Ao doar-se, Deus está amando; amando,
está se doando. Neste movimento de amar e doar-se, de sair de si e buscar o
outro, está a revelação. Assim, também o humano é chamado a assumir a natureza do
devir de relação e encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus.
Sim, respondo ao meu ouvinte que me questionou - Deus é o mesmo, ontem, hoje e eternamente. Mas o que é esse “é”? Trata-se de dizer que
Ele é aquele que é o que preciso for, o que necessitar vir a ser para
estabelecer relação com o outro. Deus é Amor. Se devemos falar de identidade
divina, essa é a sua.
Deus não quis ser tratado como Deus na encarnação. Veja que
grande golpe a toda necessidade de representação fixa! O próprio conceito de
trindade nos aponta para isso. A trindade é o Pai que se esvazia de sua
condição de Pai para se encontrar no Filho, e o Espírito Santo que é o próprio
amor e a relação; o Espírito se dissimula do seu ser pessoa para ser a relação
de amor entre o Pai e o Filho; ele é o movimento, a dinâmica.
Deus se despoja de toda a sua divindade para se relacionar
com o humano e chega a despojar-se totalmente para ser servo. A ação de um Deus
totalmente entregue ao outro para se relacionar e se encontrar no outro; um
Deus que testemunha e chama a seguir seus exemplos. O humano, em Deus, é
chamado a ser seu imitador sim, e isso se dá ao entrar em relacionamento com
Deus e com o outro. É chamado a se esvaziar para se encontrar no outro. É
chamado a abrir mão da representação, da identidade, e assumir vir-a-ser.
Ivo Fernandes
08 de maio de 16
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