Quando a igreja não presta para mais nada
Leitura: Mateus 23
Essa semana uma novela
da rede aberta exibiu no seu último capítulo uma cena onde políticos e
religiosos estavam unidos celebrando o fato de estarem conseguido poder e
dinheiro, uma clara alusão ao atual quadro da política e da religião
brasileira, em especial sua versão evangélica.
Quando a cena foi ao ar
me perguntei onde foi que a igreja no Brasil perdeu sua credibilidade? Quase
todos os ambientes televisivos retratam a igreja de forma negativa, sempre
denunciando seus abusos, sua ganância, e sua loucura. E para não deixar mentir
tais programas, passei para os canais evangélicos e o que vi foi muito pior do
que o retratado na ficção. Um certo pastor estava em locais sagrados em Jerusalém,
“ungindo” óleos (supostamente de ouro, prata, petróleo, dimanante) com o qual
iria “ungir” os membros de sua seita, com a unção das riquezas.
Qualquer pessoa de bom
senso perceberá que pelo menos as versões midiáticas da igreja evangélica,
maioria composta por neopentecostais, alguns pentecostais e outros
carismáticos, conseguiram a proeza de firmar-se, no Brasil, por algumas
características: pobreza cultural, superficialismo ético, pragmatismo da
riqueza fácil associado a ganância, hipocrisia moralista, fundamentalismo
teológico e loucura.
A igreja que sonhei
existir na minha infância composta de gente que tentava viver uma vida ética, e
anunciar o Evangelho da salvação, não existe mais, exceto em pequenos grupos,
cada vez mais massacrado por essa religião da prosperidade e das autoridades
religiosas.
Começamos com o nosso
fundamentalismo, que diga-se de passagem é no mínimo ingênuo do ponto de vista
da lógica filosófica e literária, que afirmava conseguir ler a Bíblia “ao pé da
letra”, até nosso triunfalismo da fé, crendo que conquistando espaço das
diversas mídias e na política estaríamos experimentando o cumprimento das
promessas de Deus.
O fato é que com o nosso
fundamentalismo afastamos os que tinham uma mente aberta ao diálogo e a busca
legítima da verdade. Atraímos as pessoas que não se importam com nada, a não
ser com a manutenção a todo custo de suas próprias verdades.
No Brasil, além de
adotar a agenda moralista e fundamentalista americana, os evangélicos se neopentecostalizaram.
E o resultado foi desastroso: viraram chacota nacional.
A pobreza cultural da
igreja se revela no circo mágico que vemos todos os dias, onde se inventa toda
espécie de apelo com a única intenção de conquistar mentes fracas a darem o
máximo de dinheiro possível. E qualquer um que for honesto precisará assumir
que tal igreja não tem nada a ver com Jesus o Nazareno.
Considero tais
manifestações da ordem do ridículo, completamente reprovável e até mesmo
criminoso. O espírito medieval da venda das indulgências e das relíquias ganhou
uma nova cara e vende-se de tudo: óleos e águas ungidas, sabonetes sagrados,
canetas da riqueza, vassoura sagrada, Bíblia ungida, sal grosso, água do rio
Jordão, tijolo da bênção, toalha milagrosa. E a multidão de interessados, meros
consumidores de porcaria passam a associar Deus a esse mercador e as igrejas
que tratem de oferecer os “melhores” produtos. E nessa guerra comercial cada
igreja desce mais fundo na produção do ridículo.
E mesmo que alguém diga
que nem todas as igrejas fazem a mesma coisa, não podemos negar que o neopentecostalismo
virou o discurso modelo, afinal, são essas igrejas donas de emissoras de
televisão, com o horário nobre, e tem bancada de políticos. Com tamanho
sucesso, os demais evangélicos, ou pelo menos a maior parte, se viu exigida a
caminhar com esses, por causa da vaidade do poder que essas igrejas possuem. E
os poucos que discordam também acabaram silenciando, com medo de na denúncia
acabar dando um tiro no próprio pé. Assim os justos se calaram e isso foi pior do
que o grito dos maus.
Deus é mercadoria a
serviço da alienação e a igreja o balcão onde ele é oferecido. Se um dia fomos
chamados de sal da terra, com certeza esse sal perdeu seu sabor. O movimento
evangélico tornou-se um mercado onde cada igreja disputa pelos consumidores. Não
há mais conteúdo. Mas o fato de ter se tornado insípida não põe fim a essa
igreja. Alguns argumentam que a igreja tem um papel social importante por isso
não pode acabar, papel esse que se resume em produzir pessoas politicamente corretas,
com uma ética pobre e uma moralidade hipócrita. Esses mesmos indivíduos também se tornam completamente “judiciosos”, cheios
de inveja, orgulho, vaidade, espírito faccioso, sensualidade adoecida,
espiritualidade livresca, fobias de alma, insegurança de ser, necessidade de
parecer ser, academicismo vazio.
A igreja atual não conhece a Graça, a não ser
como doutrina, e ainda assim deformada. Porém falar sobre esse assunto não é
mais de meu interesse, porque não faço mais parte do movimento evangélico,
apesar de saber que há muitos convertidos ao Evangelho da Graça na igreja
evangélica. Trouxe tudo isso para mostrar que qualquer um de nós, qualquer
movimento cristão pode tornar-se sal insípido, se seguirmos os mesmos caminhos
denunciados pelo próprio Cristo em seu sermão contra os religiosos de seu
tempo, são eles:
1. O caminho que se dedica a discursos
disassociados da vida. (vs 1,3)
2. O caminho que produz regras que só servem para
sufocar os homens (vs 4, 13)
3. O caminho que valoriza apenas a glória da aparência
(vs 5, 25-28)
4. O caminho que explora os pobres (vs 14)
5. O caminho que valoriza a adesão mais que a
conversão (vs 15)
6. O caminho que valoriza o detalhe e ignora o
conteúdo (vs 16 – 24)
7. O caminho que persegue todo e qualquer que
denunciar sua corrupção (vs 29-35)
Se não queremos ter o mesmo fim do
movimento evangélico precisamos estar atentos aos nossos passos, e manter com
toda a força a comunhão dos irmãos, não nos colocando como superior a ninguém,
entendendo que o mestre é Cristo, o Pai é Deus e nós somos apenas irmãos uns
dos outros. O nosso caminho é o do serviço movidos pela Graça e não outro. Que
sejamos sal que dá sabor ao mundo.
Ivo Fernandes
Comentários