Natal das famílias
Qualquer
um que me conheça ou que leia os meus textos sabe que gosto do Natal, bem como
de toda celebração em que podemos pensar e repensar significados.
Nesse
natal meu coração queima com sentimentos que não sei bem como descrever, mas sei
que tem haver com família. Sou um ser carente de família, mas talvez não saiba
lidar com uma. Sou um homem que está na maioria das vezes só, mesmo que acompanhado
de alguém, mas queima em mim uma vontade de não ser só.
O Natal,
se é a celebração do nascimento de Jesus, é consequentemente a história de uma
família, ou melhor, de várias. O livro de Mateus começa com uma genealogia, porque
a história de um homem na verdade é feita de milhares de outras histórias. Ninguém
é sozinho por mais que se sinta sozinho. Só somos por causa de outros.
Família,
portanto, não é apenas o modelo, ocidental, burguês, capitalista, cristão. Não
gira somente em torno de presentes ou jantares. Família tem haver com encontros
e despedidas, com nascimentos e mortes, com continuidades e descontinuidades.
Jesus
é filho de Davi e de Abraão. Eu, sou filho de nomes que desconheço, tenho
genealogia porque todos tem, mas como a imensa maioria das pessoas não faço
ideia quem seja meu avô, muito menos as histórias dos outros que me antecederam.
Mas, mesmo assim, estou aqui por causas de encontros e reencontros na
existência entre pessoas que desconheço.
Talvez
em minha genealogia hajam reis, profetas. Talvez haja quem tenha amado uma
mulher, ou mesmo várias, quem tenha sofrido por amor e quem tenha feito sofrer.
Talvez haja gente virtuosa e gente sem pudor moral, esposas e prostitutas,
bêbados e sóbrios, sábios e tolos, traídos e traidores, gente de todo sexo, de
toda orientação, de toda espécie. Talvez hajam diversas geografias, mares e
montanhas. Talvez haja sofrimento intenso e alegria imensurável. O que sei é
que um dia uma mulher decidiu me trazer ao mundo mesmo que tantos outros não quisessem.
O que sei é que não foi esta mulher quem me criou e sim uma outra que não me
gerou, de quem também não sei nada dos seus antepassados.
Eu sou
um homem sem memória, mas não sem história, pois a história está lá e sempre
estará. Formou a mim e formará todas as que de mim vieram. E pasmem, minha
família não é tão diferente da de Jesus.
E no
fim, o que temos sempre são escolhas. A escolha de mulheres que decidem correr
o risco de parir. A decisão de criar o que não é seu. E principalmente a de
decidir sobre sua própria vida, independente das escolhas anteriores.
Por
trás de cada família existem milhares de histórias secretas, e o que eu creio é
que a Grande História da Família Universal está sendo construída por meio de
cada história particular. E por isso o natal é maravilhoso, pois ele a ponta
para o sentido das coisas aparentemente sem sentido. Ele é a certeza de que
Deus está conosco no meio de nossas histórias.
É uma
data para nos despertar do sono e passarmos a agir na construção de uma família
melhor.
Que
nesta data recebamos todas as visitas, como quem recebe os reis magos, que
recebamos cada presença como presente, e que não esqueçamos das famílias em fuga,
perseguidas e mortas no processo da história do mundo.
Que a
gente se concentre nas escolhas que pode fazer e não na que cabem aos outros
fazerem. Independente de mim ou de você todas as escolhas nos afetam, mas só
podemos administrar as nossas. Então seja você a luz que deseja no mundo,
independente das trevas alheias, seja você parte da sagrada família, independente
das escolhas individuais.
Quem
sabe nessa noite ainda ouçamos voz de anjos bradando: Paz na terra aos homens
que fazem as coisas com boa vontade!
Ivo Fernandes
24 de dezembro de 2018
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