Constelação Familiar – um primeiro olhar
É inegável que a chamada constelação familiar
é um tipo de terapia controversa, e preciso confessar que durante muito tempo
nem me abria para sua investigação por perceber nela elementos que me apontavam
para um não-terapêutico. Foi somente com a insistência de alguns colegas
terapeutas que decidi usar meu espírito investigativo para conhecer mais sobre
essa tão badalada terapia.
Sabemos que a crítica feita a essa modalidade
de terapia por determinados corpos de profissionais se dá pelo fato de até o presente momento, não existir um corpo de
pesquisas empíricas que sustentem sua eficácia, efetividade e segurança. E para
muitos suas bases teóricas incluem campos frágeis cientificamente.
Um outro problema é o claro uso dessa terapia
associado a elementos de ordem esotérico e religioso. Na minha escuta de
participantes de constelação foi comum ouvir do espanto deles de coisas
misteriosas num nível de mediunidade. Ora, esses testemunhos mostram bem a relação
com o místico e certo afastamento do científico. Mas apesar dessas críticas a
constelação tem avançado e se tornado uma experiência cada vez mais comum em centros
de terapias e usado por muitos psicólogos, além do uso na esfera jurídica.
As Constelações familiares são uma terapia
que nasceu por volta dos anos 80 sob a direção de Bert Hellinger, alemão
nascido em 1925 com uma variada formação em filosofia, pedagogia e teologia.
Foi ordenado padre católico, mas deixou os seus votos nos anos 60, para viver
na África do Sul durante 16 anos, e chegou a admitir ter tido uma forte
influência das tradições zulus e participar em rituais tribais.
As leis envolvem as ideias de pertencimento
familiares e uma "ordem" hierárquica estabelecida que deve ser
respeitada; lei da reciprocidade, ou seja, "uma compensação adequada"
para as decisões e ações do passado que têm influência no presente de cada
pessoa.
Enquanto psicanalista sei que tais leis
podem ofuscar outros elementos de ordem clínica ao se transformar numa verdade
sobre os sujeitos não oriundos dos próprios. Não se trata de resolver problemas
com pessoas do passado nem mortas nem vivas, pois isso fugiria do campo
clínico. O que podemos destacar é a percepção de como eles veem seus personagens
familiares e relacionais.
O que então percebo surgir são elementos inconscientes
de cada sujeito presente numa sessão e não elementos concretos de leis
familiares. Esses elementos guiados em uma sessão servem para estabelecer os
critérios das leis da constelação partindo da ideia de que elas são legítimas,
ou podem ser usadas para investigação aprofundada do paciente por outros psicoterapeutas
que usarem a constelação como instrumento de auxílio para fins clínicos.
A clínica não pode atuar como espaço de mistério.
Não há relação com antepassados ali encarnados sentimentalmente, isso não é
clínica. O máximo que se pode clinicamente chegar são as reações diante de um
cenário que pode ser utilizado como instrumento clínico.
Eu, mesmo sendo um líder de movimento de espiritualidade
sempre combati usar de elementos religiosos dentro da clínica em virtude da
fácil manipulação desses instrumentos e consequente corrupção da intenção clínica.
A seriedade clínica não pode permitir a confusão do terapeuta como o guru, pastor
ou médium.
Como psicanalista eu não lido com almas
coletivas, mesmo entendendo haver uma coletividade no pensar, o que pode ser
explicado sociologicamente e não como mero fenômeno psíquico. Como líder de movimento
de espiritualidade sempre combati o que foi chamado no meio evangélico como maldição
hereditária, justamente por tornarem fenômenos sociológicos em fenômenos espirituais,
e daí dependerem de um guia para quebrá-las. Não existem fenômenos espirituais por
trás disso, mas fenômenos humanos que são resolvidos com autoconhecimento e
decisão de fazer diferente.
Não há fenômenos paranormais na clínica, há
apenas fenômenos humanos. Porém é preconceituoso associar todos os terapeutas
consteladores de fazerem uso de elementos místicos. Tenho acompanhado o trabalho
sério feito por alguns, inclusive no meu próprio instituto (ISECH) onde existe
uma diversidade de abordagens as vezes concorrentes, mas não anulantes.
E essa abertura do instituto acompanha o
meu desejo de se debruçar sobre os transtornos psíquicos,
tentando interpretar, principalmente através dos conteúdos inconscientes dos
indivíduos, as causas para os males que afligem as pessoas, suas relações e
contextos de vida e descobrindo possibilidades para tratar e solucionar esses
sofrimentos.
Eu, de tradição
freudiana-lacaniana, entendo que precisamos vencer nossos conservadorismos para
o avanço da ciência psicanalítica, daí não podermos nos fechar para a escuta de
outras vozes e práticas além da nossa.
Sem jamais abandonar
a cautela precisamos investigar mais a relação inconsciente do sujeito com os outros
e avançar naquilo que na tradição Junguiana se chamou de inconsciente coletivo.
Jung nos trouxe o
conceito de inconsciente coletivo, e que estaríamos todos nós, seres
humanos, conectados em uma grande malha universal psíquica de símbolos, chamados
por ele de arquétipos, através dos quais todos somos capazes de compreender a
linguagem uns dos outros e viver experiências parecidas umas com as outras,
através de informações que são trocadas nas interações não apenas através da
linguagem, mas também de forma subliminar.
Ora se isso é possível,
precisamos continuar investigando por meio da escuta e análise dos sonhos, desenhos,
interações e através do estudo da linguagem. Existe ou não conexão que pode ser
compartilhada em níveis para além da linguagem?
Sei que estudos
como esse requer a seriedade da relação entre história, antropologia, psicologia,
entre outros.
Creio ser em razão
disso que devemos acolher a constelação sistêmica, mas ao mesmo tempo manter a
investigação séria para não permitir que ela vire uma espécie de verdade
universal acessada apenas por alguns capazes de trazer o segredo à tona.
Eu me coloco no
lugar de investigador que não posso negar o efeito positivo já demonstrado em
vários casos dessa terapia, como também não posso negar o elemento mágico que
parece rondar os testemunhos por mim ouvidos e algumas experiências vistas, o
que me leva a perceber que a questão maior está em torno do sujeito constelador,
ou o terapeuta, e nisso não há diferença para nenhuma outra abordagem, afinal
podem haver enganadores em todas as áreas, que acabam manchando o trabalho
sério de outros.
Mas como disse
no título desse texto, isso aqui é apenas um primeiro olhar. Mantenho meu compromisso
com a verdade e a seriedade do trabalho clínico, buscando aumentar meu
conhecimento para ajudar as pessoas a enfrentarem seus sofrimentos.
Ivo Fernandes
15 de julho de
2019
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