A hora de arrumar a casa
Era uma segunda-feira,
naquela manhã meu corpo apresentava sinais leves de algo que ainda não carregava
o peso emocional que viria ter. De repente, por todo o mundo uma desgraça se
espalha, nada contém, só conseguimos diminuir tragédias, mas não as evitar. E
aí ela chega em nós!
Decretos governamentais,
junto do medo e da falta de informação suficiente nos tiram dos trabalhos, das
igrejas, das festas, e das famílias. Nos primeiros dias, apenas a informação,
depois a dúvida, aí o medo, e em certo momento percebemos que o toque faz
falta, que abraço é essencial, e pessoas como eu, pai que não mora com as
filhas, sente o peso da distância.
Ansiedade aumenta, pânico se
espalha, e como tentativa de não sucumbir muitos negam a realidade de nossa
atual situação, somos todos vítimas do invisível, frágeis. Aí os números
aumentam, mas pessoas não são números, várias histórias interrompidas, e lutos
não estão podendo ser vivenciados. Essa é uma dor imensurável.
Semanas se passaram, para
mim 41 dias, e ainda sou um sortudo. Ninguém perto de mim está com quadro
grave, ninguém morreu. Minha mãe de 97 anos está protegida, minhas filhas também,
e tenho a alegria da companhia de um grande amor. Mas a vida não parou, o tempo
não se interrompeu, continuamos envelhecendo, o dinheiro está acabando, as
especulações aumentando, e não poderemos fugir do dia da decisão.
Mas na verdade, cada dia que
nasce é um dia de decisão. E hoje é dia de arrumar a casa. Sim! A casa onde habito,
por que deixar a sujeira dominar? Por que fechar janelas e portas? Nossa casa é
reflexo de nossa alma, portanto, abram as janelas e deixem o vento circular,
deixe a luz entrar, limpem o chão e os móveis, aproveitem e joguem fora o sem significado
e o inútil.
Cuidemos também da
casa-corpo, por que adoecer com resultado de nossos atos? Eu não preciso ceder
ao descontrole. Eu posso comer bem, eu posso fazer exercícios, eu posso dançar,
alongar, respirar. Levantemo-nos da cama e vamos lembrar ao corpo toda a sua
potencialidade.
Vamos cuidar da casa-alma, não
há apenas notícias de morte, a vida ainda é a maior força. A esperança ainda
está viva e manifesta nos combatentes incansáveis de um novo tempo. Vamos resgatar
a poesia, vamos caetanear, djavanear. Deixemos nossos ouvidos acolherem a boa
música, e que possamos nos encher de fé, mas jamais de obscurantismo. E se não
dê sozinhos, peçamos ajuda!
Vamos cuidar de nossa
casa-relacional, a distância não acaba amores alimentados pelo carinho. Realinhem
seus afetos com as pessoas que vocês amam. Liguem, façam chamadas de vídeos, compartilhem
histórias, riam juntos, e se não puderem tocar, vão as janelas e digam o quanto
amam.
Não podemos determinar todas
as coisas, mas podemos qualificar nossa vida na medida que qualificamos nossos
pensamentos. São nossos pensamentos que produzem nossas ações, e nossa ações
podem nos destruir, então que disciplinemos nossos pensamentos para o bem, pois
a vida vale a pena.
Tenhamos calma, o que
pudermos fazer façamos, e o que não puder sejamos serenos. Não adianta lutar
contra o inevitável, mas é preciso lutar pelo que depende de nós. Que tenhamos
sabedoria para agir e aceitar.
Quando eu era pequeno minha
mãe sempre me dizia quando eu sofria um acidente, calma meu filho, vai passar. Pois
bem, se cheguei até aqui foi porque passou. Então, respirem fundo, vai passar! E
se precisarem, estarei aqui para caminhar com vocês!
Ivo Fernandes
24 de abril de 2020 (41° dia
de confinamento)
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