Repensando o autoconhecimento




Autoconhecimento é uma palavra popular, está na moda. Todos parecem interessados nela. Buscam o autoconhecimento por todos os lugares, dos quiz na internet até o horóscopo de jornal. As empresas, marcas, propagandas, igrejas, clubes, rodas, todos se apropriam dessa palavra. E isso poderia ser muito bom, se de fato fosse simples assim.

Muito do que a gente vê por aí são estratégias de venda disfarçadas de psicologia. Essa é realmente a geração onde tudo virou um objeto de consumo. Tudo se pode comprar ou instagramear.
A palavra autoconhecimento é simples de entender, trata-se do conhecimento que o próprio sujeito adquire de si. O que não é simples é como isso se dá. E se isso é realmente possível.

O que eu descobri nesses anos de terapia, tanto como analisando como analista, é que o autoconhecimento não se dá automaticamente, como resultado do tempo por exemplo. Aliás, idade não é garantia de sabedoria. Outra coisa é que, apesar de ser um conhecimento que eu desenvolvo sobre mim, não é feito por mim apenas. Ou seja, qualquer um que ignora o outro, no processo de se conhecer, engana-se e se afasta cada vez mais do autoconhecimento. Somos atravessados por diversos olhares, somos formados pela palavra do outro, então para nos conhecermos é preciso estarmos atentos a esses olhares e essas palavras.

Considerando a importância do outro, e ao mesmo tempo a dificuldade de lidar com ele, a ajuda de um profissional pode ser essencial. Ele é o outro qualificado.
Autoconhecimento sem conhecimento do que nos cerca é brincadeira de criança. Ninguém se conhece se não conhece as forças que operam no processo formativo humano. Faz-se necessário conhecer como funciona a mente humana e como se dão seus processos de desenvolvimento. Também é preciso saber da relação entre meio e sujeito. Entender as teias da dimensão social que formaram a sociedade em que nasce e se vive, e como isso determinou ou determina o sujeito, isto é, a mim. Ou seja, autoconhecimento é o mais completo conhecimento que alguém pode ter.

Talvez a palavra autoconhecimento não seja tão feliz para descrever o que buscamos. E o que realmente buscamos quando nos empreendemos em conhecer-nos? No final, o que todos buscam é a felicidade, aquele estado de integração, de completude, de paz. Se isso é possível, talvez não em sua forma absoluta, mas com certeza é possível ser mais feliz, isso dependerá do conhecimento do Eu e do Não-eu.

Como psicanalista, afirmo que não temos conhecimento das razões dos nossos atos, somos dirigidos por forças inconscientes, no entanto isso não deve nos desestimular na busca por autoconhecimento, ao contrário, saber disso aumenta a nossa responsabilidade.

Eu confesso que, desde a minha infância, busco isso. Tento responder à pergunta "quem sou?" desde meus primeiros escritos. E o que descobri ainda foi muito pouco, porém já me fez um enorme bem essa descoberta, ou talvez essa invenção. Sim! Talvez conhecer-se seja inventar-se! Mas o dilema permanece, afinal inventar a si requer, a fim de não se produzir monstros, uma boa dose de autoconhecimento, ou de como 'eu cheguei até aqui', até o ponto de 'me inventar'.
A viagem é inevitável, e navegar é preciso!

Ivo Fernandes
30 de junho de 2020

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