“Eu estou sendo eu mesmo”
Uma das frases mais repetidas em ‘reality shows’ é - eu estou sendo eu mesmo. E aqui está uma questão que torna programas assim tão interessantes para quem deseja dele extrair uma reflexão psicanalítica.
Lacan nos disse “a verdade tem uma estrutura de ficção”. A
verdade de quem somos manifesta num programa televiso é como tudo em nosso
tempo líquido. As coisas são, mas não mais como um ser, e sim como um menos de
ser, tal qual café descafeinado, é café, mas não é café. Dessa forma, as
pessoas participam de uma ficção onde elas representam a si mesmas.
As pessoas nos reality shows são elas mesmos como menos de
ser, o que vemos é ficção de cada pessoa. Podemos dizer, assim, que cada um que
vive tal experiência representa a si mesmo, fazendo-nos achar que estão sendo
eles mesmos, ignorando que estão representando.
Mas isso não é só para quem está nos tais programas, isso é
sobre todos nós, e aqueles que acham que não representam a si mesmos numa
constante ficção são os mais enganados. A identidade de cada um é forjada pelas
máscaras usadas diante do outro. E são justamente essas máscaras que conferem à
minha ficção de ser o status para me referir como um eu sou.
Ao percebermos o furo nessa trama nos lançamos no
desconforto de ser.
O que faz de mim quem sou? Como a questão do outro me
atravessa? E nesse desconforto se revela que o meu desejo é o desejo do outro,
o desejo pelo outro, e o desejo pelo que o outro deseja, até me encontrar no
desejo do outro.
Avançamos quando notamos a trama de nossa ficção em vez de
nos cegarmos na negação dela. A resposta para a pergunta “quem sou eu?” é a
grande aventura do existir, mas contra ela existe nossa própria mania de achar
que sabemos!
Ivo Fernandes
17 de fevereiro de 2022
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