Velho-novo Natal
Hoje ao chegar na obra (construção
da minha casa – nos fundos da casa da minha mãe no Serviluz - Cais do Porto –
Praia do Futuro) vi um colega da infância e imediatamente me lembrei de tantos,
e saí conversando com minha irmã sobre eles, afinal sai do bairro aos 18 anos e
agora quase 15 anos depois é que retorno.
Por onde anda a bela moça da casa a
frente? Lembrei que das muitas brincadeiras nas casas da marinha em frente à
minha. Meus primeiros beijos e primeiras paqueras e primeiras experiências
eróticas. Não tenho contato com nenhum dos que moraram nessas casas, sei que
dois deles foram assassinados por causa de envolvimentos no mundo das drogas.
Olhei a pracinha, hoje tão
diferente do que já foi e lembrei do tempo que ainda era apenas um terreno onde
cortei meu pé profundamente, e onde tempos depois joguei vôlei, e tive algumas
brigas. Na sua frente morou o meu segundo grande amor. Lembrei dela e de um
reencontro que tive com ela onde ela não me reconheceu.
Falei com minha irmã sobre o
destino de muitos. Homossexuais casados, outras vítimas da aids, outros ainda
por lá, como se a vida permanecesse a mesma. Alguns casados e com filhos,
outros viciados em álcool e drogas e outros mortos pelas mesmas.
Envelhecemos! Eu mesmo mudei o
corpo, o rosto, a vida, mas que engraçado, estou de volta. Voltar não significa
ir para o passado, pois o passado não existe, até minhas lembranças não são
apenas memórias, são atualizações. Volto para o passado-presente, retorno para
o mesmo-outro lugar. Sou outro e tudo é outra coisa. A vida como rio
passou-está passando- e passará.
Como serão meus dias neste
velho-novo lugar? Verei velhos conhecidos? Será um encontro formal? Teremos
algo para dizer uns aos outros? Retornos são cheios de silêncio.
Minha volta está se dando no natal de
2014, provavelmente não terei nenhuma casa para visitar, as portas estão
fechadas, os moradores são outros. E a minha casa? Como será? Abrirei para o
antigo? Para o novo?
O fato é que ela não estará pronta
a tempo, não terei uma casa no natal, nem para mim nem para receber. Ora que
enigmático! Aquele que celebramos no natal não teve um lugar para nascer. Assim
estarei onde me receberem, talvez na companhia de pastores e bichos. Mas aquele
que não teve onde nascer tornou-se casa para muitos viajantes. Assim desejo que
minha casa não seja apenas um espaço para meu egoísmo mas uma possibilidade de
estar dos viajantes, que assim como eu estão apenas de passagem como o rio que
passa.
Ivo Fernandes
19 de dezembro de 2014
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