Decepcionados com Deus
São 15 anos de escuta clinica
pastoral, e percebi que das dores mais difíceis de sarar a maior é a proporcionada
com a decepção com Deus. Sim! Pode-se decepcionar com Deus, e isso ocorre com
mais frequência do que se pode imaginar. Tal decepção desencadeia uma série de
doenças na alma, e estados aflitivos e angustiosos do ser.
O que de fato está por trás
dessas decepções? Não é uma crise de fé, mas antes um desencontro entre a
expectativa e a realidade. A religiosidade cristã contemporânea é marcada pela
ideia de sucesso, e esperam de Deus a garantia, os meios e a execução de seus
projetos. Desenvolvemos uma ideia tão equivocada de Deus que esperamos que ele
resolva todos os nossos problemas até os mais corriqueiros – como se questionar
o porquê ele deixou seu pneu furar no caminho para o trabalho. Mas afinal não
nos haviam ensinado que Deus se importa com todos os detalhes da minha vida?!
Que mal fez a alma
ocidental-cristã-evangélica esse tipo de doutrina! Elas produzem essa sensação
de abandono, injustiça, traição. Porém será errado esperar algo de Deus?! Claro
que não! A questão é que antes de esperarmos algo de Deus precisamos entender
como se dá essa relação da criatura com o Criador.
Na maioria das vezes os
decepcionados com Deus não se questionam, não se avaliam, não percebem suas
motivações e sentimentos. São tão egoístas nas suas expectativas que não
percebem que fazem de Deus apenas um instrumento para suas próprias vaidades.
Desejam estabelecer uma relação de troca com Deus, como se tivessem condição de
garantir para Deus sua própria parte no acordo. A história bíblica de Israel é
um ótimo exemplo disso. Por exemplo, quando falamos que algo é injusto da parte
de Deus, jamais nos julgamos a nós mesmos, pois se nos julgássemos saberíamos
que somos alvos da graça e não da justiça.
O fato é que nunca desejamos
a Deus, e sim que ele realize nossos sonhos. Deus é apenas um detalhe nesse
processo. O que me leva a concluir é que não existe real decepção com Deus uma
vez que tais decepções são frutos de ideias e desejos equivocados nossos. Se
Deus fosse como esperávamos que ele fosse nós é que não seríamos.
O fato mais assombroso da fé
cristã é que Deus nos fez livres para assumir a própria existência. E não
haveria verdadeira liberdade se Deus cedesse aos nossos caprichos, e muito
menos haveria qualquer relação madura de amor, numa espécie de toma-la-dá-cá
celestial.
Independente das questões
teológicas que muitos podem levantar, o fato é que a existência nos foi dada. E
isso implica no silêncio de Deus, mas não no seu abandono. Implica que estamos
sujeitos às contingências, mas não ao desamparo. Implica possibilidades mas não
sentenças.
Oscar Wilde, uma vez disse: "Neste
mundo só existem duas tragédias. Uma é não conseguir o que se deseja, e a outra
é conseguir”. Ora essa seria a tragédia se Deus fosse como desejamos.
Se então a decepção é fruto de minha própria
vaidade, o que esperar de Deus?! A resposta está na história de Jesus de
Nazaré. Ele como homem foi tentando em suas vaidades, em suas necessidades, em
seus projetos e sonhos, mas diferente de nós, não fez de Deus seu aliado, pois
era Satanás quem o incitava a fazer de Deus apenas um instrumento para seus desejos,
assim o Cristo abriu mão do caminho da realização pessoal que o conduziria para
longe de Deus e se rendeu a misteriosa vontade do Pai. Com esse mesmo espírito
ensinou aos seus discípulos sobre os cuidados de Deus, informando que na
existência estaríamos abertos a várias possibilidades, mas que não se
desanimassem mas amassem a eternidade, onde tudo encontra sua razão de ser. E
com isso não estava estimulando uma negação da vida, pelo contrário, estava
chamado seus discípulos a atuarem no mundo, com todas as suas forças, e não
ficassem esperando algo do céu, mesmo crendo plenamente nele.
“Parece que
ele mesmo não faz coisa alguma que possa delegar a suas criaturas. Ordena-nos a
fazer lenta e desajeitadamente o que poderia fazer com perfeição e num piscar de
olhos. Parece que toda a criação é um ato de delegação. Suponho que isso ocorre
porque ele, por natureza, doa.”
— C. S.Lewis
Dar a existência em nossas mãos é um ato de amor,
de doação, de graça! Só quem não entende nada de liberdade é que não percebe
isso. E só por meio da liberdade é possível surgir o amor – o grande projeto
divino! Jamais amaríamos a Deus se ele não fosse exatamente o que é! Jamais
conheceríamos o amor se não fôssemos exatamente o que somos.
O Livro de Jó nos revela que Deus decidiu apostar
em nós! Poderíamos amar a Deus afetado pelas tragédias da existência?
Poderíamos amar se não pudéssemos perder? Satanás, apostou que os homens não
amam a Deus, mas somente os seus próprios interesses. Deus apostou na nossa
capacidade de amar.
Assim não se trata em porque sofremos, mas para
quê. E sofremos para ser felizes de verdade, para conhecermos o que é a
liberdade e para experimentarmos o amor.
Não conheço ninguém que creia no Deus de Jesus e
com ele tenha se decepcionado!
Ivo
Fernandes
17 de
setembro de 2015
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