Família, um só amor, muitas formas de amar
Leitura
sugerida: Mateus 12.46-50
Nas últimas semanas as redes
sociais se encheram de debates com a discussão sobre o conceito de família,
isso em razão do PROJETO DE LEI que Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá
outras providências. Nesse projeto está dito: O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Família e dispõe sobre os direitos da
família, e as diretrizes das políticas públicas voltadas para valorização e
apoiamento à entidade familiar. Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se
entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem
e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
No mesmo site do congresso
onde verifiquei o projeto seguia uma enquete sobre a opinião do brasileiro
sobre a
definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher.
O resultado da pesquisa dava 51,62% votos contrários a esse conceito.
É claro que quando o projeto fala
“qualquer um dos pais” “homem e mulher” está tentando atingir em especial as
famílias constituídas por membros do mesmo sexo. Porém com a discussão, decidi
abordar o que o Evangelho tem a dizer sobre isso.
Antes disso é importante ressaltar
que a família é um sistema muito complexo,
passando por vários ciclos de desenvolvimento ao longo da história. Assim,
transformou-se através dos tempos, acompanhando mudanças religiosas, econômicas
e socioculturais.
Na tradição da maioria das sociedades a
família deriva do conceito de casamento, porém hoje já não depende dele na
imensa maioria das sociedades organizadas. Desta forma, a família não mais se
baseia na concepção canônica de procriação e educação da prole, nem tampouco na
concepção meramente legalista, mas na mútua assistência e satisfação sexual, o
que permite que sejam vislumbradas novas possibilidades de entidade familiar,
uma vez que o afeto passa a ser pressuposto de constituição dessas relações.
Essa mudança de entendimento pode ser
compreendida à luz dos períodos históricos. A partir desta análise se constatam
as transformações ocorridas no conceito de família, que hoje admite outras
formas de constituição, dentre as quais a união estável e a união homoafetiva.
Houve, ao longo da história, modelos
diferenciados de família primitiva, sendo que a maior parte deles tinha como
características essenciais a mútua proteção e a segurança. A constituição das
famílias mantinha estreita ligação com a unidade de culto e com liames
místicos. A formação da família era determinada pela necessidade de
subsistência. Era essa necessidade de subsistência quem regulava as uniões e o
número de filhos.
Muito atrelada à religião, a procriação
era, na Idade Média, considerada essencial para a constituição de uma família,
eis que se interpretava literalmente o preceito bíblico: "Crescei e
multiplicai-vos. Ide e enchei a terra." Assim, a família, surgida
necessariamente com o casamento, enquanto instituição legítima, deveria
reproduzir-se, sendo considerado um casal sem filhos inferior aos demais. O
sexo dentro do casamento tinha apenas duas finalidades: a satisfação do desejo
masculino – a mulher era considerada incapaz de sentir prazer –, e a geração de
filhos, razão pela qual as famílias eram muito numerosas.
Com a Revolução Francesa – introdutora
dos preceitos de liberdade, igualdade e fraternidade no mundo ocidental – mudam
muitos dos paradigmas até então tidos como absolutos, permitindo assim a existência
de novos modelos de família. No século XX, simultaneamente ao distanciamento do
Estado em relação à Igreja, chamado laicização, novos fenômenos surgiram. A
liberação dos costumes, a revolução feminina, fruto do movimento feminista e do
aparecimento dos métodos contraceptivos, e a evolução da genética, que
possibilitou novas formas de reprodução, foram fatores que contribuíram para
redimensionar o conceito de família.
À luz do direito contemporâneo, baseado
em princípios democráticos de aperfeiçoamento e de dignidade da pessoa,
consagrados na maior parte das constituições modernas, não mais se pode
considerar como família apenas a relação entre um homem e uma mulher, ungidos
pelos laços do matrimônio. Assim, rompidos os paradigmas identificadores da
família, que antes se assentavam na tríade casamento/sexo/reprodução,
necessário se faz buscar um novo conceito de família. Dentro deste novo
conceito, pode-se vislumbrar novos modelos de família, dentre eles a união
estável, e as relações homoafetivas. (Recortes tirados do texto hospedado em http://jus.com.br/artigos/17628/o-conceito-de-familia-ao-longo-da-historia-e-a-obrigacao-alimentar com acréscimo meu do termo relações homoafetivas)
Voltemos agora ao Evangelho. Não encontro no Evangelho nenhuma definição
de família atrelada a questão sexual, reprodutiva ou moral. Pelo contrário,
está claro na crítica e nos comportamentos de Jesus que esse modelo,
patriarcal, machista, e hierárquico e família não casa com a visão do reino.
Não somos apresentados a nenhum modelo de família. Não há ideais postos. A
própria família de Jesus não é modelo, ou padrão, visto tratar-se de um filho
que não é da geração dos pais, e pouco sabemos das relações familiares dos
membros dessa família.
O termo família aparece com positividade quando para se referir a
família universal dos homens. E o laço fundamental familiar é o amor. Logo no
Evangelho é família onde a vontade de Deus for ali manifesta, onde laços de
afetos e amor ali se manifestar, onde o bem do outro for promovido, onde se
reunirem dois ou três em nome do amor. Na família há um só amor, mas muitas
formas de amar.
Não há, portanto, nem do ponto de vista da história e muito menos do
ponto de vista do Evangelho nada que faça esse projeto com seu arcaico modelo
de família ser algo digno de aceitação.
Ivo Fernandes
02 de outubro de 15
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