A conformidade com o mundo e a banalidade do mal
Texto Inicial:
“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela
renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:2)
“Não vos conformeis com este mundo” – porém o
que é “mundo”?
Mundo,
conforme visto nas páginas das escrituras tem vários sentidos, porém quando se
fala do mundo em oposição a Deus não se trata de uma criação divina, não se
trata da terra que habitamos. Fala, na verdade de um conceito. E como conceito
é criação nossa, e criação essa que se opõe ao que é de Deus, ao Amor e a
Graça.
Começa como conceito,
mas depois ganha carne. E como trata-se de algo contrário a Deus manifesta-se
como perversidade, cobiça, ódio, mentira. Desse modo,
sabe-se que Deus não odeia o mundo enquanto criação, mas o sistema de morte
produzido pelos homens.
Enquanto sistema o mundo está
manifesto sob a tirania de diversos “ismos”, com pretensões ao absolutismo e o
totalitarismo criando uma devastadora sociedade de indivíduos reduzidos, ‘ensimesmados’,
produzindo ataques à pluralidade, à diferença. Um sistema onde a singularidade
de cada um é imolada nos altares da padronização, da doutrinação, da
“moldagem”.
Não se conformar com o mundo é
abrir-se para outra realidade possível. E conforma-se com o mundo é ir
banalizando o mal do sistema. Sim, pois conformados com o mundo não estamos
contra a moral do sistema, mesmo que por causa disso estejamos contra a vida.
Os genocídios e expurgos não foram cometidos
por pessoas insubordinadas e rebeldes, muito pelo contrário: os maiores
criminosos eram os que estavam bem-integrados ao sistema e realizavam com
competência suas funções especializadas.
Julgado
pelos judeus em Jerusalém, em 1961, um dos maiores criminosos do século,
“arquiteto do Holocausto”, Eichmann só profere
clichês de burocrata medíocre em sua gaiola de vidro, no tribunal, e ali dentro
talvez nem mesmo pudesse sentir o peso dos 6 milhões de pessoas assassinadas
que o apontavam com seus dedos, do além-túmulo, um
formidável j’accuse coletivo. Em sua defesa, Eichmann só sabe
argumentar coisas deste teor: “foram as ordens que recebi e elas tinham que ser
executadas”; muito diferente do monstro satânico e sanguinário, cheio de ódio e
racismo, que alguns esperavam encontrar em Eichmann, o que se revela, é um
funcionário competente de uma burocracia estatal, um mero intermediário numa
cadeia de comando.
Sim! Sob a força da conformidade
com o mundo, milhares de cidadãos comuns, em nome da moral, da lei, dos
costumes, da tradição, seguem líderes sanguinários e cruéis com devoção e
subserviência
Mas de onde vem o conformismo,
que forças o determinam, e quais são suas consequências?
1.
Através do conformismo ganhamos
um significado e uma importância no grupo social
a.
Lembremos da fama que buscavam os
antigos – o seu registro na história
b. Movimentos
de massa com líderes totalitários fornecem uma oportunidade, aos anônimos e
invisíveis, uma espécie de porta-de-acesso à História.
c.
Uma aflitiva sensação de
superfluidade – a pessoa que trabalha numa fábrica e pensa: “se eu morrer, eles
põem outro operário em meu lugar” – torna-se uma incômoda força psíquica que
motiva a adesão ao discurso daqueles líderes que prometem um destino glorioso
àqueles que participarem do movimento. A megalomania de Hitler era muito
notória: ele se referia ao Reich como algo que deveria durar 1.000 anos
(acabou durando apenas 12). Seus slogans seduziam as massas
prometendo que, longe de supérfluas e fadadas ao esquecimento, elas
podiam entrar para a História, desde que participassem da luta contra
a conspiração mundial dos judeus, este fantasma inteiramente fictício, mas com
espantosos efeitos efetivos. A ficção é um poder histórico. A mentira também
move o mundo.
d.
Dentro desse quadro descobrimos
que a maioria das pessoas preferem a obediência ao sistema do que à compaixão
2.
Através do conformismo podemos
negar a responsabilidade
a. “Eichmann
ficava abatido ao visitar os campos de concentração, mas para participar de
assassinatos em massa precisava apenas sentar-se em seu gabinete e mexer em
seus papéis. Por sua vez, o homem do campo que acionava as câmaras de gás
podia justificar a sua conduta dizendo que estava apenas cumprindo ordens
superiores. A pessoa que assume total responsabilidade pelo ato
evaporou-se. Talvez seja esta a mais comum característica do mal, socialmente
organizado, da sociedade moderna. “ STANLEY MILGRAM, Obediência à
Autoridade, p. 28.
3.
Através do conformismo o que se
pratica é uma negação da autonomia
a.
Eichmann era apenas um cidadão muito
respeitador das hierarquias, e que sentia satisfação profissional caso
desempenhasse bens suas funções, mesmo que estas funções fossem coisas
como fazer com que os trens para Auschwitz saíssem na
hora ou garantir a entrega de X judeus a serem exterminados no mês
corrente do cronograma administrativo.
A partir dessas análises podemos
dizer que qualquer um de nós pode tornar-se “veículo” ou “oficial” do mal, basta
nos isentarmos de pensar, e agirmos em simples conformidade com o mundo. Se
quisermos vencer a banalidade do mal temos que renovar nosso entendimento, temos
que ser conscientes e alertas, lúcidos e vigilantes, críticos e autônomos.
A banalidade do mal está entre
nós, tão banal que para alguns certos males são “naturais”. Tais como o
linchamento de pessoas sob o manto da ‘justiça’; o ataque a cidadãos que
reivindicam direitos; a violência contra a mulher; até ataque a nações com a
desculpa de estarem lutando contra o terrorismo. É possível dizer também que a
banalidade do mal se manifesta nas missões religiosas que massacram pessoas em
nome de Deus.
Concluo com os sábios conselhos bíblicos: se não nos arrependermos,
mudarmos a lógica do sistema todos nós pereceremos ( Lucas 13:5). Precisamos vencer o mal com o
bem (Romanos 12:21), pois mais importa obedecer a Deus, que é amor e graça, do que aos homens em
seus sistemas-mundo ( Atos 5:29). Portanto, Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia
quero, e não sacrifício. (Mateus 9:13), porque
todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o
mundo, a nossa fé. (1 João 5:4)
Ivo
Fernandes
31 de julho
de 2016
O texto em itálico
- fonte: https://acasadevidro.com/2016/02/18/estudos-filosoficos-a-banalidade-do-mal-e-sua-tenebrosa-atualidade-reflexoes-na-companhia-de-hannah-arendt-stanley-milgram/)
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