Segredos entre casais, solução ou problema?
São muitos anos de escuta e
atendimento clínico, e existe um aprendizado empírico sobre nós mesmos e nossas
relações que se confirma a cada nova sessão, que é, nós não somos um livro
aberto.
Existe uma ilusão,
ingenuidade ou mentira na afirmação “eu sou um livro aberto”. Digo ilusão e
ingenuidade, porque algumas pessoas podem de fato acreditarem nisso e
considerarem que revelam tudo de si a quem quer que seja, mas considerando o
próprio inconsciente, talvez tal pessoa só revele o que se manifesta, e desconheça
as partes fundantes do seu ser. Mas, pode ser mesmo apenas mentira, afinal,
para alguns não pega bem dizer que tem segredos.
Nossa biografia tem página
rasgadas, mas não destruídas, amassadas, sujas, com riscos para encobrir o
escrito. Não existe nela a possibilidade do apagar para todos. Mas isso, não
faz de ninguém mau. A verdade é que todas as famílias têm seus segredos, e eles
apresentam uma dimensão importante em termos da preservação da privacidade e da
autonomia tanto individual, quanto do grupo familiar.
E isso era assim já nos
tempos onde a coletividade era maior que a individualidade, quanto mais hoje
onde esse jogo se inverteu. Não existe mais o “de ambos uma só carne”, toda
relação é triangular com duas pessoas no topo e cada uma delas em uma ponta.
E é em razão dessa
formatação que não se pode cair no conto da verdade absoluta, do “não temos
segredos um para com o outro”, pois em geral, as verdades desnecessárias geram
mais desequilíbrio e insegurança do que fortalece a relação.
O problema é que muita gente
acha que se todos os segredos não estiverem expostos não se pode construir uma
relação de confiança. E que guardar segredos é o mesmo que mentir. E não é! A
força de uma relação não está na verdade, mas no amor, pois sem amor verdades
podem fazer muito mal.
O que se espera de um casal
maduro não é a exaltação da verdade desprovida de amor, mas o bom senso. Aliás,
é o bom senso individual que vai definir os limites de um segredo, pois quando
falamos desse assunto não podemos nunca levar aos extremos. O alvo deve ser
sempre a saúde da relação e o respeito as singularidades.
Eu já atendi casais que
tiveram suas relações destruídas pela falta de bom senso. Ficam tão amantes do
discurso da verdade que passam a não se importar com o outro. Sim! É possível
que amemos mais o discurso da verdade do que a verdade da relação. Antes de
contar qualquer coisa eu preciso saber se o que vou contar pode ser acolhido
pela outra pessoa, sem julgamento, e sem danos.
A vida de duas pessoas
adultas é muito dinâmica, e ocorre um monte de coisas durante um dia que não
precisam ser necessariamente compartilhadas, como certas brincadeiras no
ambiente de trabalho por exemplo. Para quê gerar uma crise, ou abrir a porta da
desconfiança ou do ciúme por causa disso?!
Hoje, uma das causas mais
comuns de discussão são os ambientes virtuais. Alguns casais fazem verdadeira
patrulhas. Buscam sempre encontrar o delito. Ora, não é óbvio que se é assim
antes mesmo de eu encontrar qualquer coisa já não está instalado um problema? Afinal,
por que eu não tenho uma relação relaxada com esse alguém?
Quando falamos de segredos,
isso pode estar relacionado a diferenças que não estão harmonizadas e que não
necessariamente estarão, tipo, fantasias sexuais, como uso de brinquedos ou de
estimulação visual. O que pode ser excitante para um pode ser conflitante para
outro. Para que então que vou provocar conflito?
Outros tem conflitos com o
passado do cônjuge, exigem saber a verdade apenas para alimentar sua loucura.
Contar é dar armas para a insanidade. Outros conflitos podem envolver seus
gastos e seus gostos, e até seus pensamentos.
Diante disso podemos dizer
que é fake a afirmação que “em um amor verdadeiro não há espaços para segredos”.
Relacionamentos sinceros não são relacionamentos sincericidas. Ser sincero
é contar para o outro os seus sentimentos e pensamentos de uma forma responsável
com a finalidade do bem comum. A virtude está no amor que diz a verdade e não na
verdade em si.
O conselho prático é:
desenvolva a habilidade para perceber o que para o outro é suportável e tente
perceber o que deve ou não ser contado para o parceiro, pensando sempre no bem-estar
da relação e no desenvolvimento da mesma. Alguns segredos podem sim ser
guardados, dependendo de sua importância. O mais importante é a verdade da
relação. Relações não fingidas não sufocam o outro em nome da verdade.
Se for verdadeiro o amor e a
relação for madura e boa, não serão os segredos do outro que importarão, mas a
alegria da partilharem o que se tem comum.
Ivo Fernandes
24 de agosto de 2019
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