Felicidade é possível



A felicidade é o tema por excelência da filosofia, isso porque é inegável que é o objetivo da vida de cada humano. Porém, mesmo sendo algo universal, conceitualmente não foi e nem é assim. Do conceito a realidade há discussões, afinal o que é felicidade? É possível ser feliz?

Eu, como qualquer ser humano, desejei e desejo a felicidade. Já me vi feliz, infeliz, já mudei minha ideia de felicidade, mas nunca deixei de querer ser feliz. Foi preciso um longo caminho para que eu, enfim, entendesse que não é possível ser feliz sem a organização dos afetos e da razão. Entendi que há uma diferença entre alegrias transitórias e felicidade. E que a dependência da felicidade dos elementos externos não pode garantir nenhuma felicidade.

Se o homem é forjado pelo desejo, e este liga-se ao prazer e ao desprazer, a felicidade está ligada a administração disso. E administrar é reconhecer nossos desejos, entender nossas paixões, compreender o que nos rege dentro e fora, perceber os limites do prazer e da realidade. Assim só o homem que realmente deseja ser feliz o pode, pois é aquele que vai investir em aumentar a alegria da vida e viver consoante sua realidade. Feliz é quem usa de suas forças para bem viver.

Com isso, podemos afirmar, com a maioria dos filósofos, felicidade é autoconhecimento, pois sem conhecimento de si, não é possível investimento em si. E para se ter um legítimo autoconhecimento temos que nos desvencilhar das mentiras e das ilusões que tão de perto nos rodeiam. É preciso racionalidade para ser realmente feliz, logo é falacioso quem diz que o ignorante que é feliz. O ignorante é apenas enganado, e nenhum enganado é de fato feliz. Mas, não é somente a razão que é necessária, só é feliz quem não departamentaliza a existência, assim depois do conhecimento e da admissão de si e da realidade é necessário o encantamento com a existência, que se dá por uma espécie de sentimento de pertencimento, ou como dizia os românticos, de sentimento oceânico, ou como fala Espinosa, a intuição, ou até mesmo a fé. Trata-se de um saber que não passa necessariamente apenas pela lógica do discurso, mas pela entrega.

É feliz quem se sente-sabe parte de um todo, pois não pode haver real felicidade sem completude. Daí o homem em sua finitude buscar ser feliz, por não se contentar apenas com a parte. Há sempre um mais, porém o mais sem a intuição é produtor de ansiedade e outros distúrbios. É no descanso de saber-se parte do todo que a busca pela experiência dessa totalidade é feliz.

Vejam, os místicos têm razão, mas, a religião que separa Deus dos homens, não. Deus como totalidade é fonte da felicidade, mas como ser Outro, totalmente separado de sua criação, não. Os religiosos não são felizes, os espirituais sim.  Os infelizes buscam ser felizes na conquista do transitório, do mundo e das coisas, os felizes o são porque conquistam a si mesmos.

Felicidade, portanto, é totalmente possível! Comece conhecendo a si mesmo, cada afeto, cada desejo, cada conexão. Conhecer o que nos fortalece e o que nos enfraquece, o que provoca prazer e desprazer, alegria e tristeza. A obtenção da felicidade passa pela resolução dos problemas afetivos, os quais, por sua vez estão diretamente relacionados ao conhecimento.

Conhecendo a mim mesmo, avanço para conhecer a realidade que me cerca, pois não existo no mundo só, e nem se pode ser feliz sozinho. Sou corpo, e tenho que entender os limites do meu corpo, impostos pelo mundo, do contrário viverei a sofrer a pressão sobre meu corpo por não saber administrar meu prazer diante da realidade.

Conhecendo essas duas dimensões tenho condições de agir. Poderei escolher entre o que me confunde ou o que me liberta, entre a escravidão dos desejos ou a libertação da vontade.  Poderei gerir melhor os afetos, buscando potencializar aqueles ligados a felicidade, como a alegria por exemplo, e a verdadeira alegria é quando a desenvolvemos em nós e por nós, tirando sua dependência extrema das coisas externas.

Felicidade requer aprendizado. Precisamos aprender a cultivar os melhores afetos. É preciso conhecer os bens espirituais. É preciso potencializar a alegria. Se somos seres desejantes e racionais podemos aprender a desejar o melhor, pois nossa felicidade está muito ligada a qualidade do objeto que desejamos. Felicidade, portanto, é uma arte de organizar encontros, encontros do interior com o exterior, do prazer com a realidade, dos corpos entre si.

A pessoa feliz é capaz de unir em sua mente o finito com o infinito, e assim amar a totalidade. E como não ser feliz aquele que se compreende parte de um todo magnífico?! É ter a alegria dos deuses. É ser deus. E sendo parte de uma totalidade temos ciência que todos são, logo ser feliz é saber que é parte do outro e com o outro, felicidade é generosidade, assim como a tristeza é egoísmo.

Eu sou um homem feliz, depois de passar a minha infância e adolescência inteira me dizendo infeliz. Ali, era infeliz porque não me conhecia e então responsabilizava a todos e tudo pelo meu sofrer, sofrer esse imaginário, pois era resultado da mentira em que acreditei. Demorou, mas os castelos de areia foram desfeitos, e conheci a mim mesmo e o mundo que me cerca, e no conhecimento de minha finitude conheci o desejo pelo infinito, e me lancei no mar da totalidade. Tornei-me um novo homem, e por se feliz, sou alegre, potente e amante da amizade. Faço minhas as palavras de Espinosa, “nada estimo mais, entre todas as coisas que não estão em meu poder, do que contrair uma aliança de amizade com homens que amem sinceramente a verdade”.

O conhecimento me libertou da imaginação moral que separava o mundo entre bons e maus. Pessoas felizes separam o mundo entre o que é potente e impotente, o que promove alegria e promove tristeza, e se empenham em manter a alegria viva. O conhecimento também me libertou do domínio das paixões, me lançado no campo da ação, em vez de escravo do desejo, o homem feliz age em torno do seu desejo. O homem feliz é ativo frente as paixões, enquanto o homem triste é escravo das mesmas. Não temos como eliminar as paixões, mas podemos agir sobre elas. O homem feliz é, portanto, aquele que é capaz de se autodeterminar como fruto do autoconhecimento, e que mesmo diante das condições exteriores, se mantém sereno e firme em sua potência, pois sua vida é marcada pela intensidade do afeto de alegria.

O homem feliz é um homem livre. E o segredo é, quanto mais autoconhecimento e conhecimento, mais ação, mais felicidade, mais liberdade. E liberdade não é de ser o que quisermos, o que é impossível, mas justamente para ser quem somos.

Ser feliz é um modo de vida, não somente uma sensação, ou sentimento. Um modo de vida que se esforça por perseverar na existência, elevando ao máximo os bons afetos, conduzindo sua vida de acordo com a razão, buscando a verdadeira utilidade nas coisas, reconhecendo que somos parte da totalidade.

Mais uma vez, a felicidade é possível! A pergunta fundamental então é que modo de vida você terá a partir de agora?

Ivo Fernandes
4 de dezembro de 2019


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