O que quer a mulher?



O que é a mulher? A mulher existe? Qual sua origem? Toda redução das questões envolvidas nas perguntas anteriores é um prejuízo para todos nós. 

A psicanálise não se omitiu da questão. Freud não se omitiu, mesmo não conseguindo atravessar a barreira de si mesmo rumo àquilo que ela chamava de continente negro. Ele partiu da máxima que “não se nasce mulher nem homem, mas nos tornamos um ou outro”, quão revolucionária foi essa questão. É a partir dela que podemos tentar desconstruir a figura universal e abstrata de A Mulher, que nada mais é que “um conjunto de imagens e representações que tentam produzir uma identidade para todas as mulheres sem alcançar nenhuma delas em sua singularidade”. 

Para entendermos as questões se faz necessário o mergulho na história do conceito, e suas produções de feitos no percurso histórico. Quem é a mulher da história? Quem é a mulher em cada momento histórico? Ser uma mulher é o mesmo que ser A Mulher? 

A psicanálise foi fundada pelas mulheres do Dr. Freud, é na voz, no sentir e no revelar delas que surge essa forma de conhecer todos nós. Mulheres ativas nesse processo. Mulheres que falam, que devem falar, que avisam ao próprio médico que não as interrompa. Mulheres que surgem. 

Mas como lidar com isso que surge e traz consigo o que não pode ser suportado? Talvez por isso desejou-se manter as mulheres presas no imaginário da mulher com “natureza feminina” “naturalmente sensual e desmedida, e, ao mesmo tempo, naturalmente sensível e amorosa, destinada ao casamento (por amor, é claro) e à maternidade, funções que só realizarão se for domesticada (no duplo sentido da palavra)”. Como superar esse imaginário?

Penso que nem mesmo Freud conseguiu isso, afinal sua última questão a respeito do tema assumia sua ignorância, ou sua decisão de ser ignorante “afinal, o que quer a mulher?” encerrando a mulher num discurso de mistério e restando o discurso clínico da mulher castrada, faltosa, histérica, dependente do outro, no caso, do homem, para poder ser. A mulher nesses termos seria a que fracassa sempre. 

Como superar esse discurso? Como efetivamente ouvir as mulheres? Como fazer as mulheres se ouvirem? Como se torna uma mulher para além dA Mulher? É possível escapar ao destino anatômico? 

Penso que a psicanálise conseguiu ir além de Freud e nos ajudar nisso. É necessário desmontarmos A Mulher imaginária e fazer surgir a mulher, e a outra mulher e ainda a outra mulher.

É a partir daqui que podemos nos encontrar com o que talvez Freud não quis ou não pode, com o fato de que não há diferença fundamental, de que a castração, a falta, a dependência é algo nosso, não das mulheres, mas de todos nós seres bissexuais, que carregam o feminino e o masculino. 

O que eu quero esconder de mim quando escondo as mulheres? O que quero calar quando calo as mulheres? Do que tenho medo quando impeço o existir das mulheres? Afinal, o que querem os homens?

Ora, nesses termos, podemos inferir que o feminino e o masculino representam em nós condições de ser, mas que por força de uma cultura machista nos legou a associação simbólica do feminino como a falta e do masculino como a força. Sem negar tais condições de ser é preciso perverter, sim, perverter e não reverter, pois reverter seria produzir o mesmo pelo lado oposto, então é preciso perverter o que de alguma maneira outros psicanalistas fizeram, como Lacan, mas que também ainda foram filhos de seu tempo marcados pelo seus medos, assim como eu agora, ainda não darei conta de superar a questão da mulher, não por não saber o que ela quer, mas por evitar a todo custo o encontro comigo mesmo, seja o nome que dermos a isso.


Ivo Fernandes

8 de março de 2022

 

Obs. Textos entre aspas: Freud / Marilena Chauí

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