Entre a cruz e o arco-íris – uma reflexão sobre Evangelho e Diversidade
Antes de desenvolver uma
reflexão sobre o assunto é importante alinharmos alguns conceitos. Entre eles o
de gênero, sexo, sexualidade e religião.
Gênero é o conjunto de características sociais,
culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às
pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo. Ou de outra forma as
características de gênero são construções socioculturais que variam através da
história e se referem aos papéis psicológicos e culturais que a sociedade
atribui a cada um do que considera “masculino” ou “feminino”.
Sexo são características físicas, biológicas,
anatômicas e fisiológicas dos seres humanos que os definem como macho ou fêmea.
Reconhece-se a partir de dados corporais, genitais, sendo o sexo uma construção
natural, com a qual se nasce.
Assim percebemos que a
diferença sexual não é determinante nas diferenças sociais e sim as diferenças
de gênero.
Sexualidade é o termo abstrato utilizado para se referir
às capacidades associadas ao sexo, enquanto sexo tem vários significados.
Analisado a partir do gênero sabemos que o sexo não é uma variável
demográfica, biológica ou natural, mas traz toda uma carga cultural e ideológica.
Como declara Beauvoir, ‘ninguém nasce mulher, torna-se mulher’.
Gênero se realiza culturalmente, por ideologias que tomam formas
específicas em cada momento histórico e tais formas estão associadas a
apropriações político-econômicas do cultural, que se dão como totalidades em
lugares e períodos determinados.
Neste sentido, considero que o conceito de
gênero é significativo para refletir a questão das (homo)sexualidades no campo
religioso e deve ser pensado numa perspectiva relacional e não essencialista. É
necessário refletir sobre o que significa o “feminino” e o “masculino”, já que
é através do gênero que se configuram o que atribuímos ao humano.
A sexualidade é produto da atividade humana e por isso, é
sempre uma questão política e de poder. Esse caráter político aponta para a
necessidade de problematizar as normas que regulam e hierarquizam as práticas e
os desejos sexuais.
Ainda em nosso século reina no ocidente, e aqui no Brasil,
uma certa corrente que cresce rapidamente e que estabelece a seguinte hierarquia
sexual: o “bom sexo” é aquele realizado entre heterossexuais, no casamento
monogâmico, com fins reprodutivos e não comerciais, entre pessoas da mesma
geração. O “mau sexo”, anormal e condenável, consiste, segundo esse modelo da
moral social, em práticas de sujeitos homossexuais, sozinhos ou em grupos,
promiscuidade, com fins comerciais, material pornográfico ou sadomasoquismo.
Travestis e transexuais são as categorias mais abjetas.
Assim, reitero, que entendo gênero e sexualidade como
construções sociais de relações de poder e considero que a religião, como
produto e produtora de representações e dispositivos reguladores das
sexualidades (FOUCAULT,1998) também legitima (ou constrói) determinadas
concepções de “masculinos” e “femininos”.
Entendido isso podemos afirmar que Deus não nos criou homem e
mulher no sentido do gênero uma vez que se trata de uma construção, mas nos fez
macho e fêmea no âmbito do sexo biológico. Ora, portanto é conforme a natureza
a reprodução entre sexos opostos, isso é o máximo de ideal, palavra que prefiro
não a utilizar, preferindo real, que podemos chegar. Daí concluir um modelo
familiar que envolve o conceito de gênero a partir disso é outro passo, não
necessariamente lógico.
E por falar em modelo familiar não existe na Bíblia um modelo
familiar, mas uma “diversidade de formações familiares”, e se colocarmos
na balança oi diversos modelos o que hoje se tenta definir como modelo é que
menos encontramos nas escrituras. A própria família de Jesus foge completamente
aos modelos que desejam vender como correto e ideal. Na relação com o sagrado a
questão familiar ou de gênero nunca foi uma exigência ou um impedimento.
As escrituras judaicas-cristãs não são manuais de modelo
algum. E o Evangelho não é um modelo ou ideal, mas um chamado a única realidade
possível da vida – o amor!
Da conclusão necessária do exposto temos o que já dissemos em
outros momentos, o conceito de bem e mal, nesse caso, de casamento, promiscuidade
e coisa semelhante dependerá sempre da ideologia. As religiões como produtoras
de conceitos estarão sempre em disputa a respeito desses temas, o Evangelho como
produtor de Vida, está mais interessado no caminhar dos seres humanos,
atentando para origem e consequências de um determinado conceito, valorizando
apenas aquilo que vem e promove o Amor.
Não esperem então, como pregador do Evangelho que vos anuncie
um modelo ideal de gênero, ou de família, ou de casamento ou algo do tipo.
Essas produções serão analisadas dentro dos contextos próprios. Nem esperem que
apoie qualquer movimento de defesa de bandeiras, sejam cristãs ou gay, no
máximo analisarei a coerência social das mesmas, mas meu interesse é na vida
dos seres que antes de serem determinados pelo gênero são determinados a
existir. Sim nossa sentença não é ser homem ou mulher, mas ser. Por isso que no
Evangelho essas diferenciações desaparecem, pois nele só há a unidade da
diversidade no Amor!
“...é evidente que pelo gênero ninguém será justificado diante de
Deus, porque o justo viverá pela fé. Ora, o gênero não é da fé, mas
das construções humanas; e o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá.
Cristo nos resgatou da limitação do gênero...sabemos que todos estamos debaixo
de questões de ordem de gênero por sermos seres sociais, mas os que vivem pela
fé sabem que não estão debaixo desse tipo de autoridade. Sabemos que todos são
filhos de Deus e que nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não
há homem nem mulher; nem hetero nem homo porque todos vós sois um em Cristo
Jesus. E, se sois de Cristo, então sois herdeiros da promessa. ” Paráfrase Gálatas 3:11-29
Ivo
Fernandes
14 de
junho de 2015
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